Sinal amarelo para o plantio de soja no país
09/01/2009
Cotações internacionais voltam a recuar e real permanece apreciado em relação ao dólar americano
A volatilidade das cotações internacionais e o câmbio desfavorável às exportações, que ainda travam a fase final de comercialização da colheita brasileira de soja produzida na safra 2004/05, põem em dúvida a rentabilidade do carro-chefe do campo nacional em um momento de decisão do plantio da próxima temporada, a 2005/06. Para os produtores, este já seria um horizonte preocupante em condições normais. Mas o desalento é maior por conta da recente descapitalização provocada já por uma combinação de alta de custos, preços baixos, câmbio desfavorável e clima desastroso na região Sul.
Em áreas tradicionais de produção da região Centro-Oeste – que em 2004/05 respondeu por 55,5% de uma oferta total de 50,229 milhões de toneladas, segundo a última estimativa da Conab – é consenso entre especialistas que dificilmente o agricultor deixará de plantar, até porque as alternativas que se prestam às mesmas condições de clima e solo (algodão e arroz, principalmente) também enfrentam problemas.
Mas nas áreas novas do Centro-Oeste, que ajudaram a impulsionar a recente expansão de fronteiras para a soja no país, e no Sul – onde uma estiagem abateu a última safra -, a situação é diferente. Para as chamadas “novas fronteiras”, analistas observam que em alguns casos sequer haverá plantio. Para o Sul, o milho surge como uma opção que tende a se mostrar mais rentável, ainda que também aqui o cenário seja turvo.
Resumo: a queda da área plantada de soja no país em 2005/06 é praticamente um fato consumado, que só poderia ser revertido com uma improvável disparada das cotações internacionais. Poucos analistas concordam com o recuo de 20% previsto recentemente por Blairo Maggi, governador do Mato Grosso e maior produtor individual de soja do mundo, mas são comuns as previsões de queda entre 5% e 10% – o primeiro recuo desde 1992/93.
“Os produtores começaram a decidir o que plantar na safra 2005/06 em junho, quando as perspectivas eram mais favoráveis tanto para os preços quanto para o câmbio. Por isso, prevejo uma queda entre 5% e 7% da área. Se em junho as perspectivas fossem mais desfavoráveis, como acontece agora, a queda chegaria a 10%. Mas o desânimo entre os produtores de soja é total”, afirma Renato Sayeg, da Tetras Corretora. De acordo com a Conab, em 2004/05, a soja ocupou 23,137 milhões de hectares, 8,7% mais que em 2003/04.
Em Chicago, os contratos futuros de segunda posição de entrega (atualmente novembro, que ontem fecharam a US$ 6,25 por bushel, em alta de 5,25 centavos de dólar), que vinham em recuperação por conta do clima adverso ao desenvolvimento das lavouras dos EUA, acumulam neste mês queda de 7,68%, em virtude da mudança para melhor do clima na região Meio-Oeste daquele país. Já o dólar, que em junho alcançou a cotação média de R$ 2,4135, em agosto (até ontem) ficou em R$ 2,3276, segundo o Valor Data.
“Acredito em queda de área plantada com soja no Sul, mas uma queda pequena. Alguns produtores gaúchos lembram que houve duas quebras seguidas de produção no Estado por conta do clima e não acreditam em uma terceira. Os preços atuais, em dólar, até que não estão baixos em relação à média histórica. O problema é o câmbio”, observa Seneri Paludo, da Agência Rural.
Para Daniel Dias, do Instituto FNP, os preços internacionais estão, sim, baixos, e o problema principal é a relação entre estoques e consumo mundiais. Ele afirma que o câmbio atual, se não estimula as vendas do que resta da safra 2004/05 – as estimativas variam de 30% a 15% das 50,230 milhões de toneladas de 2004/05 -, favorece a compra de insumos como adubo e defensivo, que têm preços formados em dólar já que o Brasil tem déficit de produção.
“Mas também aqui é preciso evitar a euforia. Muitos produtores estão apostando que o dólar estará em patamar superior a R$ 3 na época de comercialização da safra 2005/06, mas hoje não há sinais de que isso vá de fato acontecer”, diz Dias. Aos produtores que o consultam, ele aconselha a aposta no milho (ver quadro). Dias prevê manutenção do atual patamar de preços no mercado interno nos próximos meses. Ontem, em Rondonópolis (MT), a saca, segundo o Instituto FNP, saiu por R$ 25,50, ante R$ 27 nesta mesma época de julho e R$ 29,30 em novembro de 2004. Em Paranaguá (PR), ontem a saca saiu por R$ 33, ante os R$ 41 de 16 de março, pico do ano naquela praça.
“E é preciso ressaltar que uma queda de área de soja no Brasil tende a acelerar a reversão do quadro mundial de sobreoferta do grão, que começa a dar sinais de ter começado”. Prova disso foi o levantamento do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) divulgado na sexta-feira, que projetou um aumento da oferta mundial do grão de 1,15% em 2005/06 em relação ao ciclo anterior, contra um avanço da demanda estimado em 5,41%, como notou Renato Sayeg, da Tetras.
Parte da diferença pode ser creditada ao apetite da China, maior país importador de soja do mundo. Em julho, as esmagadoras chinesas importaram 2,86 milhões de toneladas do grão, 55% mais que no mesmo mês do ano passado, e a previsão do USDA é que as compras do gigante asiático cheguem a 27 milhões de toneladas em 2005/06, ante as 24 milhões milhões de 2004/05.
Normalmente a fome chinesa se une à vontade de comer dos exportadores brasileiros, mas neste ano até essa “parceria” perdeu pujança com a queda de oferta e dólar no Brasil e dos preços externos e doméstico. Sheila Heuser, da Lafis Consultoria, observa que os embarques do Brasil para a China já renderam 31,6% menos no primeiro semestre deste ano (US$ 743,6 milhões), com reflexo direto sobre sua previsão para as exportações totais do complexo no ano – US$ 8 bilhões, ante US$ 10,048 bilhões no ano passado.
Enquanto isso, prosseguem a renegociação de dívidas, os pedidos de crédito, as suspensões de operações de fábrica de esmagamento no Centro-Oeste e as revisões para baixo na receita das lavouras de soja – “da porteira para dentro”. Na última delas, José Garcia Gasques, coordenador de planejamento estratégico do Ministério da Agricultura, previu a receita da soja em R$ 25,94 bilhões neste ano, ante R$ 33,23 bilhões em 2004 e R$ 36,14 bilhões em 2003.
Fonte:
Valor Economico
Fernando Lopes
17/8/2005