Presidente da Itália rejeita renúncia de Berlusconi
09/01/2009
O premiê da Itália, Silvio Berlusconi, renunciou ontem, mas, atendendo a um pedido do presidente Carlo Azeglio Ciampi, prometeu tentar formar uma nova coalizão governamental com os mesmos aliados políticos (de centro-direita e de direita), numa tentativa de evitar a realização de eleições legislativas antecipadas.
“Aceito o desafio de formar um novo governo”, declarou Berlusconi, cujo governo é o mais longo desde a Segunda Guerra. Ele disse ainda que já recebera o apoio dos quatro partidos de sua coalizão para montar um novo gabinete.
Sua coalizão entrou em crise depois da derrota nas eleições regionais ocorridas no início do mês, quando o centro-direita perdeu 11 das 13 regiões em disputa. As duas únicas que ele conseguiu manter sob seu controle foram a Lombardia e Vêneto, no norte do país.
Segundo especialistas consultados pela Folha, os problemas da coalizão de Berlusconi estão justamente nos interesses geográficos dos partidos que a compõem. “A Força Itália [FI, partido do premiê] e a Liga Norte [LN] são mais fortes no norte do país e vêm ditando as políticas do governo desde que Berlusconi assumiu o poder, em 2001”, apontou o analista político Enrico Caiano.
“Já a União Democrata Cristã [UDC] e a Aliança Nacional [AN] são fortes no centro e sobretudo no sul da Itália. Para elas, os outros partidos do governo privilegiam o norte. Como a derrota nas eleições do início do mês explicitaram o descontentamento do eleitorado do sul com as políticas governamentais, a UDC e a AN chegaram à conclusão de que estava na hora de mostrar a Berlusconi e a seus aliados da FI e da LN que o sul precisa ser ouvido.”
Na verdade, trata-se quase de uma questão de sobrevivência para a UDC e para a AN. Afinal, elas têm pouco respaldo popular no norte e sabem que, se a situação se agravar no sul, elas perderão muitas cadeiras no Parlamento e, portanto, influência. A AN e particularmente a UDC buscam, assim, limitar os danos gerados por políticas governamentais que, para elas, minam o crescimento e o desenvolvimento do sul e do centro.
“A Itália cresceu muito pouco desde 2001, e sua produção industrial encolheu nos últimos quatro anos. Isso prejudica as perspectivas de melhora econômica para a maioria da população. Ademais, a política de redução de impostos do governo favorece principalmente o norte e não estimula o crescimento do sul. Isso tudo vem irritando os democrata-cristãos e os nacionalistas, que tentam sobreviver politicamente”, analisou Jean-Paul Zuanon, especialista em Itália da Fundação Nacional de Ciência Política (França).
Outro projeto de Berlusconi que desagrada à UDC e à AN é a chamada “reforma federalista”, que, se for aprovada, dará mais poder às regiões em detrimento do governo central. Vale lembrar que a UDC e a AN são mais centralizadoras, enquanto a FI e a LN preferem um maior federalismo.
“A reforma aumentará mais a disparidade já existente entre o norte e o sul, o que também é malvisto pelos eleitores sulistas. Com isso, a UDC exige a retirada desse projeto da agenda do governo para continuar na coalizão. Isso não ocorrerá, mas o projeto deverá ser reformado”, previu Caiano.
Oposição dividida
Com as eleições legislativas previstas para maio ou para junho de 2006, o quadro parece ser sombrio para o centro-direita. Embora tenha feito campanha conjunta para as eleições regionais, todavia, a oposição de centro-esquerda também se encontra relativamente dividida, o que prejudica suas chances de vitória em 2006.
“Há uma ala da oposição, liderada por [Romano] Prodi, que prega uma real guinada à esquerda, buscando atrair até os eleitores mais extremistas. E existe outra ala, capitaneada por [Francesco] Rutelli, que prefere manter a coalizão oposicionista no centro-esquerda, tentando seduzir o eleitorado de centro. Resta saber até que ponto essas divisões persistirão ou se o pragmatismo político triunfará”, avaliou Zuanon.
Finalmente, cabe ressaltar que ainda não é possível decretar o fim da “era Berlusconi”. Este possui muito dinheiro -é o homem mais rico da Itália- e controla a maior parte dos meios de comunicação. Dependendo do estado de espírito do eleitorado, ele poderá, portanto, ter um retorno extraordinário ou chegar às eleições de 2006 com péssimos índices de popularidade, segundo Caiano.
Por ora, as pesquisas dão cinco pontos percentuais de vantagem para a oposição, de acordo com o diário “Corriere della Sera”.
Folha de São Paulo
MÁRCIO SENNE DE MORAES
Com agências internacionais