Política industrial x incentivos à inovação

09/01/2009

JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN

Em 1942 , John Atanasoff e Clifford Berry construíram, na Universidade Estadual de Iowa, a primeira máquina de computação que utilizou eletricidade, válvula de vácuo (a antecessora do circuito integrado) e o sistema numérico binário. Em 1973, a Justiça americana decidiu que Atanasoff e Berry haviam construído o primeiro computador digital e eletrônico e que os construtores de outras máquinas pioneiras haviam copiado idéias fundamentais da dupla de Iowa. Essa invenção jogou um papel crucial na criação da liderança americana na era digital, e o investimento no projeto trouxe um retorno econômico enorme para a sociedade, mas Atanasoff e Berry pouco receberam, exceto o reconhecimento tardio pelo trabalho genial.

O caso do computador de Iowa é extremo, mas ilustra um fato comum. Mesmo se protegidas por patentes, muitas invenções geram ganhos que não são apropriados pelos inventores, e o retorno econômico para a sociedade como um todo excede o retorno privado dos investimentos em P&D (pesquisa e desenvolvimento). Por isso, os governos devem subsidiar essas atividades. A mesma “falha do mercado” também afeta a transmissão e adaptação de novas tecnologias. Afinal, uma empresa que gaste recursos e aprenda que uma técnica desenvolvida no exterior é utilizável no Brasil pode ver a sua descoberta aproveitada por um concorrente que não pagou os custos.

A criação e a adoção de tecnologias novas são fontes cruciais do crescimento econômico, e vários países emergentes fizeram do investimento em P&D uma prioridade. A comparação dos recursos investidos entre países é dificultada pela falta de dados consistentes, mas é relativamente mais fácil medir resultados. Uma estatística reveladora é o número de patentes de invenções concedidas pelo escritório de patentes dos Estados Unidos. Em 2003, inventores sul-coreanos receberam 3.944 patentes, um número superior às 3.869 concedidas a franceses. Taiwaneses registraram 5.298 invenções.

Outros países que impressionam, principalmente se levarmos em consideração as suas pequenas populações, são Israel (1.193) e Finlândia (865). A brasileiros, foram concedidas apenas 130 patentes. O sucesso de Coréia do Sul, Taiwan, Israel ou Finlândia é o resultado de projetos nacionais que combinaram incentivos à formação de consórcios entre empresas, amplo financiamento para a pesquisa básica e aplicada em universidades e laboratórios nacionais e estímulos à colaboração entre essas instituições e o setor privado.

Na experiência brasileira, encontramos bons e maus exemplos. A Embrapa é grande responsável pelo salto de produtividade da nossa agricultura, mas a política de informática dos governos militares é um modelo do que não se deve fazer. A proibição da importação e da participação de firmas estrangeiras na fabricação de computadores pessoais criou um mercado com poucos incentivos ao investimento em inovação. Os pesquisadores nas universidades e empresas foram forçados a trabalhar com computadores caros e tecnologicamente defasados. Uma conseqüência foi o atraso no desenvolvimento da indústria de software, que poderia ser muito mais competitiva.

A emergência da Ásia como potência industrial coloca em questão a nossa capacidade de competir em setores relativamente mais avançados. Mais uma vez, propõe-se política industrial, leiam-se subsídios e proteção, para “indústrias estratégicas”. Isso, sem dúvida, beneficiaria muito alguns empresários, mas só uma política adequada de apoio à criação e à adoção de novas tecnologias tem o potencial de dar ao Brasil real competitividade em setores de ponta.

José Alexandre Scheinkman, 57, professor de economia na Universidade Princeton (EUA) escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.

Folha Online
05/06/2005