Os gargalos e as prioridades

09/01/2009

Pesquisa exclusiva com as maiores empresas de infra-estrutura aponta a falta de regras claras como o principal problema do setor

Por Ernesto Yoshida

EXAME A falta de marcos regulatórios que estabeleçam regras claras, estáveis e transparentes é o principal obstáculo ao desenvolvimento do setor de infra-estrutura no Brasil. Em muitos casos, esse problema é mais grave até que a escassez de capital para investir. É o que revela pesquisa exclusiva do ANUÁRIO EXAME DE INFRA-ESTRUTURA com dirigentes de 134 das maiores empresas do setor no país. De acordo com o levantamento, baseado em respostas de múltipla escolha, 52% dos entrevistados consideram que a questão institucional (a falta de regras claras para os investidores) é o maior entrave para a implantação de obras fundamentais para o crescimento do país. A dificuldade para obter licenças ambientais foi citada por 44%, enquanto a falta de recursos financeiros ou de instrumentos para financiar os investimentos foi mencionada por 42%.

Há uma explicação lógica para o fato de os marcos regulatórios ser considerados mais importantes do que os recursos financeiros: se as regras não são claras ou se elas mudam a toda hora ao sabor das trocas no governo, as empresas ficam com receio de aplicar seu dinheiro em obras de custo elevado e retorno incerto. “Há investidores brasileiros e estrangeiros ansiosos por aplicar em infra-estrutura, mas não se sentem seguros”, diz Saturnino Sérgio da Silva, diretor do departamento de infra-estrutura da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). “Dinheiro é importante, mas acaba sendo um problema secundário na comparação com essa insegurança. O que o Brasil mais precisa no momento é estabelecer regras e respeitá-las.”

Em alguns setores, as regras até existem. O problema é a burocracia da administração pública, que não funciona no ritmo exigido para não atrapalhar a execução das obras. “Nossos projetos demoram demais para ser avaliados e aprovados pela máquina pública”, diz Francisco de Assis Sens, diretor de logística da Bunge Fertilizantes. “O problema não está no nível de exigências, mas na falta de velocidade para avaliar e emitir um parecer, seja favorável, seja contrário ao projeto.” Até 2009, a Bunge pretende investir 160 milhões de dólares em logística. Desse total, a empresa reservou 56 milhões de dólares para 2006. “Esse valor já deveria ter sido investido em 2005, mas, em face de todas as dificuldades institucionais, ficou represado”, acrescenta Sens. Ele teme que os recursos sejam requisitados pela matriz para cobrir investimentos em projetos fora do Brasil. Isso já ocorreu no ano passado. A filial argentina pediu e recebeu os recursos que a Bunge pretendia destinar ao porto catarinense de São Fran cisco do Sul. O dinheiro foi remanejado para a construção de um porto ao norte de Buenos Aires — que já ficou pronto e foi inaugurado em setembro de 2005.

Além da ausência ou inadequação dos marcos regulatórios, outro obstáculo sério no país é a demora na obtenção das licenças ambientais. O problema é mais acentuado nas obras de energia — 20% dos projetos do setor listados neste anuário enfrentam empecilhos ambientais. “No Brasil, a justa preocupação ambien tal foi transformada em exigências extremamente severas dos ambientalistas”, afirma Dilton de Conti Oliveira, presidente da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf). Não se trata de atropelar a lei, mas sim de aperfeiçoá-la e torná-la menos complexa e obscura. “O investimento em geração de energia elétrica sempre causa algum dano ambiental. A sociedade precisa se conscientizar disso e definir qual é o dano aceitável e quanto está disposta a pagar para amenizar o impacto”, diz Mateus Aranha Andrade, superintendente da Delta Energia.

Se sobram problemas, também não faltam projetos que nunca saem do papel. Como o país tem imensas carências em infra-estrutura e não vai conseguir resolver tudo de uma vez, é preciso estabelecer as prioridades. Em sua pesquisa, o ANUÁRIO EXAME apresentou aos empresários uma lista com 13 obras de diversos setores, escolhidas dentre as que têm potencial para afetar maior número de pessoas. Pediu-se a cada entrevistado que apontasse até três obras que considerava prioritárias para o país (com a opção de indicar qualquer outra obra que não estivesse na lista). Quase metade dos entrevistados (47%) declarou que a universalização do abastecimento de água tratada e da rede de esgoto sanitário é a obra mais importante. “Essa é uma área de infra-estrutura que ficou para trás no Brasil. Não tem marco regulatório, não tem investimento”, diz Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib). “Os recursos públicos são insuficientes para atender às necessidades e dois terços das empresas operam com receita inferior à despesa.”

Ninguém há de negar que levar os serviços de água e esgoto a todas as casas no Brasil — meta que exigirá investimento de 180 bilhões de reais nos próximos 20 anos, segundo estimativas — é necessário e urgente, sobretudo por seus benefícios para a saúde pública. Mas esse é um serviço tão básico que já deveria ter sido riscado da lista de obras fundamentais há muito tempo. Sérgio da Silva, da Fiesp, prefere priorizar obras que chama de “estruturantes”, aquelas que possuem grande efeito multiplicador de investimentos. Para ele, o Brasil tem atualmente dois grandes desafios na área de infra-estrutura: melhorar a logística de transportes, integrando os sistemas ferroviário, rodoviário, hidroviário e portos, e buscar uma matriz energética segura, que afaste a ameaça de um novo apagão. “São investimentos capazes de reduzir o custo Brasil e aumentar rapidamente a competitividade do país, gerando os recursos para outros projetos de infra-estrutura para os quais hoje não há dinheiro, como a universalização de água.”

Vale destacar que 37% dos entrevistados apontaram a construção do rodoanel de São Paulo como uma obra prioritária para o país — individualmente, é o projeto de infra-estrutura mais importante. É um reconhecimento de que o rodoanel é vital não somente para São Paulo, mas também para o Brasil. Quando ficar totalmente pronto, ele vai evitar que cerca de 20 000 caminhões cruzem diariamente as ruas e avenidas da capital paulista rumo a outros destinos, como o porto de Santos. A redução do trânsito de passagem de cargas vai melhorar a qualidade de vida dos moradores de São Paulo e, além disso, reduzir os custos de logística, o que é bom para o país. Estima-se que a falta desse contorno rodoviário cause prejuízo de 2 bilhões de reais por ano. Essa obra de importância inquestionável, no entanto, está atrasada por problemas financeiros e ambientais, tendo como pano de fundo disputas políticas entre os governos federal e estadual.

A terceira obra mais citada como prioritária — por 36% dos entrevistados — é a construção de pequenas centrais hidrelétricas (PCH). Isso revela a preocupação dos empresários com a ameaça de uma nova crise de energia nos próximos anos. O governo federal tem um programa que prevê a construção de 208 PCH, com capacidade para gerar quase 4 000 megawatts no total. Não foram poucos os entrevistados que destacaram a necessidade de investir também em grandes usinas. “O Brasil tem uma vocação hidrelétrica e possui mais de 60% de seu potencial inexplorado”, diz Conti Oliveira, da Chesf. “Num período de 15 a 20 anos, o país terá de duplicar sua capacidade instalada de geração para atender ao crescimento da demanda. Ou seja, nesse curto período, fazer o equivalente ao que foi realizado em quase um século.” Outro ponto enfatizado na pesquisa é a necessidade de diversificar a matriz energética por meio da construção de usinas termelétricas e gasodutos. “O parque gerador brasileiro deve ter predominância hidrelétrica, mas buscando uma adequada complementaridade térmica”, diz Flávio Antônio Neiva, presidente da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage).

A pesquisa revela também quais são as medidas fundamentais para o Brasil crescer de forma competitiva e com distribuição de renda. Os pontos mais citados foram reforma tributária (75% dos entrevistados), choque de gestão no gasto público (51%) e consolidação do arcabouço regulatório da infra-estrutura (44%). Além disso, a maioria dos entrevistados (71%) acredita que a melhor opção para modernizar a infra-estrutura é mediante investimentos públicos e privados de forma equilibrada. “Sempre que viável, os investimentos deveriam ser realizados pelo setor privado, por sua agilidade e eficiência. Contudo, os investimentos que, pela sua magnitude ou por sua importância estratégica ou social, dificilmente se viabilizariam por critérios meramente econômicos teriam de ser realizados pelo setor público”, diz Tarcísio Angelo Mascarim, diretor corporativo da indústria Dedini. Os números indicam que, se tivessem de escolher um lado, a balança penderia para uma participação maior dos investimentos privados. “O setor privado tem vocação natural para desenvolver e explorar projetos, além de planejar a adequada combinação de esforços e recursos que assegurem a viabilidade do empreendimento”, diz Gabriel Jorge Ferreira, diretor do Unibanco e presidente da Confederação Nacional das Instituições Financeiras.

Apesar dos problemas, um dado da pesquisa que chamou a atenção foi o otimismo das empresas. Em 2006, a maioria dos empresários pretende investir em obras de infra-estrutura mais do que está aplicando em 2005 (50% dos entrevistados) ou, no mínimo, planeja manter o nível de 2005 (21%). “Os empresários visualizam um ano melhor porque esperam que os entraves sejam eliminados aos poucos”, diz Godoy, da Abdib. “Por se tratar de ano eleitoral, há uma expectativa de retomada das obras. Além disso, as parcerias público-privadas (PPPs) devem criar novas oportunidades de investimentos.”

Fonte:
Exame