Milhares de pequenos exportadores não aparecem nas estatísticas
09/01/2009
O comércio internacional brasileiro vem batendo recordes sucessivos, como o patamar alcançado em 2006 de US$ 137 bilhões em exportações – com estimativas de chegar a US$ 150 bilhões este ano. Mas os números, divulgados todas as semanas, sobre a balança comercial, escondem milhares de pequenos exportadores que não aparecem nas estatísticas oficiais. É que, na prática, exportações inferiores a US$ 20 mil não são computadas no Sistema Integrado de Comércio Exterior, o Siscomex, pelo qual são registradas as vendas e compras internacionais.
O quadro chega a render casos pitorescos. A associação Companhia do Lacre exporta desde 2004 suas roupas e acessórios fabricados com lacres retirados de latas de alumínio, mas só foi identificada pela Federação das Indústrias do Distrito Federal (Fibra) no ano passado – e por acaso. “90% das nossas mercadorias estão indo para fora do Brasil”, informa a presidente da entidade, Chica Rosa. Até serem descobertas, as artesãs da associação entregavam a produção diretamente a representantes comerciais das empresas compradoras. “Agora estamos adquirindo o conhecimento sobre como exportar”, diz.
Nas contas da Companhia do Lacre, a empresa exportou cerca de R$ 240 mil no ano passado. Em valores atuais, algo em torno de US$ 112 mil. O que Chica Rosa e as 80 artesãs não sabiam é que, com esse volume em negócios, a associação seria listada na balança comercial do DF como o 11º maior exportador entre as empresas brasilienses, posto que não conquistou porque toda as remessas são feitas via exportação simplificada. “Isso já era para estar nas contas do governo. Nossos produtos já estão nos Estados Unidos, na França, na Alemanha e na Itália”, protesta.
Para a Fibra, a exclusão das exportações feitas de forma simplificada surte efeitos prejudiciais, principalmente na elaboração de políticas para as pequenas e microempresas. A gerente do Centro Internacional de Negócios (CIN) da entidade, Luciana Pecegueiro, argumenta que os efeitos têm repercussões mais importantes do que a simples defasagem dos valores. “Todos os cálculos para fixação da taxa de juros levam em conta a balança comercial. Somos superavitários, mas não sabemos quanto”, afirma.
Assim como milhares de pequenos exportadores do país, a Companhia do Lacre se vale dos serviços das empresas de encomendas e dos Correios, que há alguns anos descobriram esse filão e desde então oferecem serviços de despacho internacional – ou seja, cuidam da papelada para pequenos e microempresários que querem exportar, mas são inibidos pela burocracia.
“Exportar não é tão fácil. Há uma série de providências que as empresas precisam tomar para levar os produtos para fora. Estamos começando inclusive uma enquete com pequenos e microempresários do país para ouvir deles quais as principais dificuldades. Mas já sabemos que a burocracia é um dos principais fatores”, diz a consultora do Sebrae, Magali Albuquerque.
Essas vendas pequenas são registradas à parte do Siscomex, no Sistema de Declaração Simplificada da Receita Federal. O processo é mais simples e exige, por exemplo, metade das informações necessárias às exportações de maior valor. De acordo com a Receita, em 2005 foram exportados US$ 120 milhões pelo sistema simplificado, valor 21% maior que o registrado no ano anterior, 2004.
Os números de 2006 ainda não estão fechados, mas o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) estima que o valor tenha chegado perto de US$ 300 milhões – em boa medida, devido à decisão da Receita de dobrar, de US$ 10 mil para US$ 20 mil, o limite de cada transação que pode ser inserida no Sistema de Declaração Simplificada.
O crescimento, porém, não parece ser compartilhado pela empresa que mais se beneficiou do movimento das pequenas exportações – os Correios, que em 2000 lançou o Exporta Fácil. Nas contas do MDIC, o Exporta Fácil responde por quase metade das pequenas exportações. “Houve um ritmo de crescimento forte nos primeiros anos, mas agora estamos num período de retração. A valorização do real sobre o dólar atingiu mais os pequenos exportadores que os grandes, então eles parecem não estar conseguindo apresentar o mesmo desempenho de dois anos atrás”, explica a chefe da Divisão de Negócios de Exportação dos Correios, Lilian Rodrigues.
Empresa escondida não recebe benefícios
Embora respondam por uma fatia mínima das exportações brasileiras, as remessas de valor inferior a US$ 20 mil significam para pequenas e microempresas brasileiras a única porta de acesso a mercados internacionais. Perfis do setor industrial como o existente no Distrito Federal, em que os empreendimentos de menor porte representam a maioria esmagadora de estabelecimentos existentes, a invisibilidade perante as estatísticas da balança comercial significa também ficar longe de programas de apoio e incentivo à produção, confinados em um cenário desolador de amadorismo e despreparo para enfrentar a burocracia estatal.
Segundo dados da Federação das Indústrias do Distrito Federal (Fibra), 93% da indústria brasiliense são formados por pequenas e microempresas. Do cadastro da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento, constam pouco mais de 40 empresas exportadoras, das quais 38% são empresas de menor porte, que utilizam principalmente a Declaração Simplificada de Exportação (DSE). A participação destas, porém, é irrisória na evolução dos valores do comércio exterior brasiliense. Dos US$ 65,7 milhões embarcados ao longo do ano passado, 88,66% (US$ 58,2 milhões) referem-se à produção de apenas duas grandes empresas instaladas no DF.
“A empresa que exporta pequenos valores está escondida. Ninguém sabe que ela existe. Isso acarreta que ninguém olha para Brasília e o potencial que existe aqui”, protesta o agente de Comércio Exterior das Indústrias Rossi Eletromecânica, Edvando Gomes de Souza. A empresa – uma das primeiras nascidas no DF a exportar e hoje quinto maior exportador do DF – embarcou, segundo a Secex, US$ 1,07 milhão, no ano passado. Segundo afirmou, ficaram de fora da conta outros US$ 160 mil (15% do total) de remessas feitas via DSE. “O governo não tem controle, não tem como saber onde investir, que região está exportando o quê”, diz.
A crítica de Souza ganha coro entre os pequenos e microempresários do DF. Acreditam em comum que, se não existem oficialmente nas estatísticas da balança comercial, seja na local ou na nacional, ficam de fora de todo processo de elaboração de políticas de estímulo à produção voltada para mercados externos. Para a gerente do Centro Internacional de Negócios (CIN) da Fibra, Luciana Pecegueiro, a inoperância de uma base de dados, em que constam todas as informações de empresas exportadoras, torna ainda mais difícil a identificação de iniciativas de sucesso.
“É ao acaso que nós descobrimos as empresas que exportam. Acaba que, para que se tornem conhecidas, são as próprias empresas que têm de buscar as entidades, quando o caminho deveria ser o inverso”, critica. Ela argumenta que apenas a partir da identificação dos segmentos exportadores é que se pode iniciar as pesquisas sobre as potencialidades e deficiências de cada atividade para que se elabore um plano de fortalecimento da produção. “Nós poderíamos estar auxiliando muito mais empresas há muito mais tempo se soubéssemos onde estão”, lamenta.
País não sabe quanto fatura com venda de serviços
As exportações de valores inferiores a US$ 20 mil não são as únicas que deixam de figurar entre as estatísticas oficiais do comércio exterior brasileiro. Na verdade, o país não sabe ao certo quanto fatura com a venda de serviços para outros países. E isso se trata de um setor com grande potencial. Afinal, os serviços representam cerca de 60% do PIB brasileiro.
“Não temos um verdadeiro dimensionamento do setor. Há um acordo informal com o Banco Central para o tratamento das informações. É uma primeira abordagem para termos estruturada a balança de serviços”, diz o secretário de Comércio e Serviços, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Edson Lupatini Júnior – a própria secretaria foi criada há cerca de um ano. Segundo Lupatini, muitas vezes os dados sobre o pagamento pelos serviços vendidos ao exterior são contabilizados no país como investimentos estrangeiros.
Estimativa da Secretaria de Comércio e Serviços sugere que em 2005 o Brasil exportou cerca de US$ 15 bilhões em serviços, em áreas distintas como assessoria e consultoria, operações em bolsas de mercadorias, comunicações, engenharia e arquitetura, aluguel de equipamentos, tecnologia da informação, entre outros.
“Na área de serviços empresariais e profissionais somos referência na América Latina, e esse é um movimento que leva junto serviços de tecnologia da informação, de transportes, mas nada disso é computado. Falta até uma definição, uma harmonização de conceitos entre os próprios órgãos federais. Nem todos entendem as mesmas áreas como prestadores de serviços”, diz Lupatini.
O fato é que os serviços – e as exportações deles – representam um dos setores mais promissores da economia. A maior economia do planeta, a dos Estados Unidos, mantém déficits constantes no comércio de bens, mas é imbatível nos serviços, com mais de US$ 350 bilhões anuais; a Inglaterra, segundo país do ranking, aparece com US$ 190 bilhões.
Mesmo esses países são compradores fortes. Nos Estados Unidos, a importação de software cresce 25% ao ano. E uma pesquisa feita na Europa, pelo Instituto Gartner, apontou que as empresas estão cada vez mais dispostas a terceirizar serviços como administração de estoques e call centers. No Brasil calcula-se que as importações de serviços superem as exportações em cerca de US$ 8 bilhões.
“Estamos debutando no comércio internacional. Na hora que conseguirmos ter visibilidade, podemos pensar em ações para que esses setores cresçam, identificar consórcios, projetos setoriais, ver as regiões que têm mais vocação. Acredito até que a balança não seja deficitária, mas que fique empatada”, afirma o secretário de Comércio e Serviços.
Fonte:
Jornal do Commércio