Mello: julgamento mostra desgaste do governo

09/01/2009

No mínimo 3 anos para o veredicto final. Esse é o prazo estimado pelo ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), para que a sociedade brasileira saiba se os acusados no escândalo do mensalão – 40 réus definidos ontem – são mesmo culpados.
A “quadrilha” denunciada pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, teria operado no primeiro governo Lula para comprar o apoio de parlamentares. José Dirceu, então ministro da Casa Civil, segundo o procurador, era o chefe da organização criminosa.

A aceitação da denúncia, de acordo com o ministro Marco Aurélio, mostra um avanço cultural brasileiro. Indica que os poderes são independentes, autônomos e estão funcionando bem. E que a decisão representa um “desgaste” para o governo.

– Claro que há um desgaste, sem dúvida alguma para o partido (PT) e, conseqüentemente, para o governo. Agora nós temos que seguir e vamos avançando. A evolução é permanente – afirma.

O ministro acredita que a decisão do STF de abrir processo contra os acusados confirma que o julgamento do Congresso Nacional não é apenas político. No auge do escândalo, o deputado Roberto Jefferson, que denunciou o escândalo, e José Dirceu tiveram seus mandatos cassados.

– O trabalho realizado foi profícuo, e quando o Supremo aceitou a denúncia, ele acabou por confirmar que o Parlamento não atua apenas no campo político, nas comissões. Como a CPI dos Correios. Atuou tecnicamente, na seriedade, ouvindo, colhendo material.

O ex-ministro José Dirceu sentiu-se injustiçado. Em sua única e discreta manifestação após a decisão do STF, disse que é réu de um processo sem provas. E ele está certo, segundo Marco Aurélio Mello.

– Realmente não há, nós não podemos dizer que ele é realmente culpado. Agora, que há indícios de que teria cometido desvio de conduta, há. Tanto que se recebeu a denúncia, senão ela não seria recebida.

Leia a entrevista concedida com exclusividade a Terra Magazine pelo ministro do Supremo Tribunal Federal:

Terra Magazine – Qual a análise que o senhor faz desse julgamento? Na primeira fase, quando se descobriu todo esse esquema, houve o julgamento político, a cassação de alguns parlamentares… Agora ele passa para a esfera jurídica mas também não deixa de ter uma conotação política, não é?
Marco Aurélio Mello – É, eu concordo que esse julgamento do Supremo reafirma o trabalho das comissões parlamentares de inquérito (CPIs), sob o ângulo da investigação. O trabalho realizado foi profícuo, e quando o Supremo aceitou a denúncia, ele acabou por confirmar que o Parlamento não atua apenas no campo político, nas comissões. Como a CPI dos Correios. Atuou tecnicamente, na seriedade, ouvindo, colhendo material. E isso facilitou a atividade do Procurador-Geral da República. Tanto que ele apresentou a denúncia quase imediatamente ao encerramento da Comissão. Quer dizer, à medida que a Comissão avançava descobrindo dados, passava ao Ministério Público. E mais uma vez nós assentamos que as instituições funcionam, que a época é de mudança cultural, é de avanço cultural. E que os homens, principalmente os homens públicos, eles devem estar mais atentos aos princípios que regem a administração pública.

O senhor encara esse processo como uma derrota do governo?
Não, o que eu vejo é que as mazelas foram escancaradas e isso é muito bom. O ruim é quando elas são escamoteadas. Claro que há um desgaste, sem dúvida alguma para o partido (PT) e, conseqüentemente, para o governo. Agora nós temos que seguir e vamos avançando. A evolução é permanente.

O ex-ministro José Dirceu, na sua única e discreta manifestação, disse que o mandato de deputado dele foi cassado e que agora ele é réu sem provas e que agora ele quer ser julgado rapidamente para provar sua inocência. O senhor acha que as provas que foram apresentadas para aceitar a denúncia já indicam que o processo vai ser complicado, sobretudo no caso dele?
Eu acredito que haverá um campo muito largo para a atuação dos representantes dos acusados, os advogados. E ontem nós concluímos uma apreciação a partir de simples indícios. Nós não assentamos a culpa de quem quer que seja, nós assentamos que haveria considerando os fatos narrados. Eles devem ser agora provados pelo Ministério Público. Havia materialidade quanto aos crimes e indícios da autoria. E foi o que nós proclamamos. Agora estará sob os ombros do Ministério Público a prova da procedência das imputações das acusações.

Mas então, semanticamente, digamos assim, a avaliação dele de que é réu sem provas se confirma…
Até aqui não há prova da culpabilidade. Ele está certo. Realmente não há, nós não podemos dizer que ele é realmente culpado. Agora, que há indícios de que teria cometido desvio de conduta, há. Tanto que se recebeu a denúncia, senão ela não seria recebida.

Fonte:
Terra
Raphael Prado