Juro alto faz estrangeiros na Bovespa migrarem para renda fixa
14/09/2008
O mau humor do mercado financeiro tem afugentado os investidores estrangeiros da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Em 2008, até o dia 9 de setembro, as retiradas dos estrangeiros superam as compras em R$ 17,3 bilhões. Mas o déficit não significa que o apetite internacional para investir no Brasil acabou: desde o começo do ano, cresceu o interesse externo em aproveitar os juros brasileiros crescentes para aplicar recursos em renda fixa.
Números da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) mostram que, enquanto a participação externa em ações recuou de 75,57%, em janeiro, para 71,21%, em julho, o percentual de estrangeiros no mercado de renda fixa subiu no mesmo período de 21,61% para 25,73%.
“Eles (os estrangeiros) migram para a renda fixa, afinal a gente tem uma taxa renda de fixa muito alta aqui. Os investidores então vão para a renda fixa durante um tempo por causa dessa aversão a risco. Mas não saem todos do Brasil”, explica o diretor da corretora Ágora e presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais (Abimec), Álvaro Bandeira.
Para o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, três fatores influenciam a opção externa por vender ações brasileiras: a aversão ao risco, a necessidade de levantar dinheiro para cobrir “buracos financeiros” deixados pela crise e a alta rentabilidade dos juros no Brasil, que começaram a subir em abril deste ano e saltaram de 11,25% para 13,75%.
“(O investidor) está saindo da bolsa para cobrir o buraco lá fora. Dado que o momento não é favorável e como ele tem que procurar multiplicar o capital, qual o ativo que vai compensar pela rentabilidade? No Brasil, a renda fixa”, diz Agostini.
Sintomas conhecidos
O mercado financeiro nacional tem protagonizado cenas familiares a investidores que já sobreviveram a tempos turbulentos. A Bovespa amarga queda de 18% em 2008 e o dólar perdeu a tendência de enfraquecimento e fechou a sexta-feira cotado a R$ 1,781.
A cena de dólar em alta e bolsa em queda foi vista em outros momentos da história financeira do Brasil, como na crise México (1994), e da Rússia (1998), e durante o ‘efeito Lula’, em 2002, quando o mercado reagiu com nervosismo à perspectiva de eleição do atual presidente.
Apesar dos sintomas similares, especialistas garantem que muitos fatores tornam a realidade atual muito diferente de tudo o que já aconteceu no passado. “A fuga de estrangeiros agora e em outros momentos de crise tem a mesma justificativa – aversão a risco. Mas o motivo é outro”, explica o especialista Fábio Susteras, economista do private banking do Banco Real.
Origem “desenvolvida”
Desta vez, diferentemente dos outros episódios, o foco dos problemas econômicos mundiais não vem de nenhum país emergente: a fonte de preocupação é uma grande potência, os EUA, que enfrenta uma prolongada crise imobiliária.
“Nas demais crises, como (a vivida) às vésperas da eleição do presidente Lula, a situação era muito mais pautada na questão da confiança do investidor, assim como na crise do México, da Rússia. A fuga hoje não se originou de países emergentes, mas do mercado norte-americano”, diz Susteras.
Participação maior
Outra mudança importante no perfil da fuga de capital é que, hoje em dia, os estrangeiros representam um volume bem maior de dólares entrando – e saindo – no mercado de ações.
De acordo com a Bovespa, investidores internacionais compravam R$ 12,6 bilhões, em 1994, contra os R$ 347,4 bilhões atuais (acumulados no ano até setembro de 2008). “No final dos anos 90, a gente viu saírem muitos dólares não da bolsa, mas do Brasil”, diz o professor Ricardo Almeida, da escola de negócios Ibmec-SP. "Não tinha tudo isso de estrangeiro na bolsa".
Economia atrativa
Quando os tempos de crise passarem – o que ninguém arrisca prever quando acontecerá –, o Brasil deverá ter se mantido atraente em função de uma série de conquistas recentes: reservas internacionais abundantes, grau de investimento duplo (por duas agências internacionais) e a posição de credor externo líquido (tem dinheiro a receber, e não a pagar para outros países).
Previsões positivas, que não têm data para se realizarem. “No momento em que a gente vive, quando o estrangeiro sai a bolsa cai. Quando ele volta, a bolsa sobe. Significa dizer que a nossa bolsa só vai voltar a performar quando o humor estrangeiro melhorar”, diz o analista do Banco Real.
Fonte:
G1