José Serra: “Reabrirei o Umberto I”
09/01/2009
O novo prefeito eleito de São Paulo no Brasil, fiel à sua origem italiana, declara o seu empenho pela revitalização do Hospital Umberto I, mais conhecido como o “Hospital dos Italianos”, no local onde a Previ deseja construir um edifício comercial de 26 andares, além de um shopping center.
São Paulo – A maior cidade da América Latina, São Paulo, será governada, a partir de janeiro de 2005 até dezembro de 2008, por um ítalo-brasileiro, que confirmou, nos últimos dias o seu empenho pela reabertura do Hospital italiano Umberto I, fechado desde 1993. Com sessenta e três anos, José Serra, filho único de um vendedor de frutas calabrês, de Conegliano Calabro, é muito fiel às suas origens e demonstra uma grande simpatia com relação a tudo que envolve a Itália a começar por sua italianidade.
“Nasci e cresci em São Paulo em um casebre com quarto, sala e cozinha no bairro ‘italianíssimo’ da Mooca” diz José Serra. “Meu pai, Francesco, estava sempre preocupado com a aparência e ia para o mercado municipal com o cabelo bem penteado e vestido de terno e gravata escolhidos cuidadosamente por minha mãe Serafina, ela também de origem calabresa. Quando era criança sempre ouvia tocar a canção ‘Una strada nel bosco’ cantada por Gino Bechi e me lembro dela perfeitamente até hoje porque marcou uma fase importante da minha juventude”.
Se colocassemos a questão sobre a cidade de São Paulo no Brasil: “Quais são os grandes hospitais ligados às comunidades étnicas?” nos responderiam que existem várias entidades: Hospital Albert Einstein, comunidade hebráica; Hospital Oswaldo Cruz, comunidade alemã; Beneficência Portuguesa, comunidade lusitana; Hospital Sírio-libanês, comunidade árabe; Hospital Santa Cruz, comunidade japonesa. A lista, em um passado não muito distante, também continha uma referência italiana: o Hospital Umberto I, também conhecido como Hospital Matarazzo, fundado em 1904, pelo imigrante italiano, conde Francesco Matarazzo.
Ao contrário dos outros centros hospitalares, que nos anos 90 passaram por ampliações e se modernizaram – graças, sobretudo, ao apoio direto das respectivas comunidades de origem, o hospital italiano fechou as portas em 1993, depois de um longo período de crise financeira.
O prédio do ex-hospital italiano, situado na nobre região da avenida Paulista, ainda existe. O seu atual proprietário é a Previ, o Fundo de Pensão dos funcionários do “Banco do Brasil”, que comprou o terreno de 27 mil metros quadrados e o imóvel, da Fundação Ítalo-Brasileira Umberto I, ex-proprietária do hospital.
A intenção da Previ é a de construir no local uma grande unidade imobiliária composta por um edifício comercial de 26 andares, além de um shopping center, o que ocuparia 50% da área disponível. Na outra metade seria construído um novo hospital, preservando a arquitetura original do imóvel, dado que a Fundação Ítalo-Brasileira Umberto I se tornaria sócia desta negociação, com uma quota de 30%.
No momento todos os projetos estão interditados por um conflito que já dura anos com a Belas Artes que colocou sob proteção o prédio onde se localizava o hospital e bloqueou todas as atividades de construção civil projetadas.
Serra tem uma sensibilidade muito aguçada com relação à área social e em particular, com a saúde pública que se derivaram não apenas de sua origem, mas em particular, de seu percurso de formação e de trabalho. Na Universidade apoiou as reformas propostas pela esquerda brasileira e com o golpe militar de 1964 deixa o país e pede exílio político na Embaixada da Bolívia, para se firmar, depois de uma breve passagem no Uruguai e Argentina, e no Chile de sob o governo de Allende. Trabalhou como Assessor econômico do Governo Allende, e depois com o golpe militar é obrigado a retomar a fuga. Se refugia na Embaixada da Itália por seis meses, na espera da autorização das autoridades chilenas para poder deixar o país. Após ter deixado o Chile, esteve nos Estados Unidos para depois voltar definitivamente para o Brasil em 1977, onde entra com passaporte italiano. Em seu regresso se ocupa do Ofício de economia e planejamento de São Paulo. Foi eleito deputado federal e senador e participou da eleição à presidência da República em 2002, após ter sido Ministro da Saúde no Governo social-democrático de Fernando Henrique Cardoso, pelo PSDB, fundado por ele, em 1988.
A reabertura do Hospital Umberto I também é uma bela notícia para Edoardo Pollastri, presidente da Câmara de Comércio Italiana de São Paulo e membro de destaque da coletividade originária da Itália residente no país: “Representou um grande ponto de referência, mais que para a assistência médica para os italianos, também por uma questão de prestígio. Todas as comunidades estrangeiras, da sírio-libanesa à israelita e japonesa, possuem o seu hospital próprio. O italiano foi um dos primeiros; infelizmente após as crises financeiras faliu e não foram suficientes as diversas tentativas com o governo, autoridades brasileiras e comunidades, os resultados foram quase nenhum” .
A esperança de Pollastri, por outro lado, é que o governo italiano também decida se preocupar com o problema. “Eu acredito que a retomada deste projeto seja intensamente desejável, mas ao mesmo tempo, não acredito que se concretizará sem a intervenção do governo italiano, que deve dar um testemunho concreto perante a uma de suas comunidades mais numerosas”. E promete : “Se José Serra realmente pretende levar adiante este projeto, quero que saiba que pode contar com a nossa colaboração total do momento em que se tornar prefeito em todos os aspectos”.
As origens do Hospital Umberto I remonta desde da segunda metade do século XIX, quando começa a se intensificar o fluxo de imigrantes, que desembarcavam no Brasil com o sonho de “Fazer a América”. Mostrando um forte espírito de comunidade, um grupo de italianos decidiu, diante das dificuldades impostas pela vida cotidiana em um país estranho, criar em 1878, a ” Società Italiana di Beneficenza in San Paolo “. No livro ‘Médicos Italianos em São Paulo, Carlos da Silva Lacaz, professor doutorado em Microbiologia e Imunologia da Faculdade de São Paulo, coloca em evidência que em 1885, a “Società” deu o passo fundamental do futuro “Hospital Umberto I”, que foi inaugurado em 14 de agosto de 1904, com 50 quartos com leitos.
O primeiro presidente foi Carlo Comenale, médico natural de Castellabate, província de Salerno, em 1855, formado na Regia Universidade de Napoli (1881). Os recursos financeiros que tornaram possível a construção do hospital provinham de diferentes fontes: uma parte pelos ‘caixas fortes’ do governo italiano; o restante pelo bolso de generosos imigrantes cujo sonho de “fazer a América” já representava uma realidade, como para Francesco Matarazzo.
A partir de 1917, o Hospital Umberto I começa a ter uma série de melhoramentos, com a construção de uma série de ampliações de 1917 a 1943. A benemerência do conde Matarazzo foi fundamental para o desenvolvimento do hospital. Em 1942, em plena Segunda Guerra Mundial, a Società Italiana di Beneficenza in San Paolo foi obrigada a mudar de nome, nazionalizando-se e adotando a denominação de “Sociedade de Beneficência São Paulo, Hospital Nossa Senhora Aparecida e Casa de Saúde Matarazzo”. Tratava-se de um complexo hospitalar com capacidade para 500 leitos, um número dez vezes maior que do ano da inauguração.
O Umberto I passou a ser mais conhecido como Hospital Matarazzo. Durante as décadas seguintes, o centro hospitalar teria desenvolvido um papel importante na sociedade e teria incluído em seu staff ilustres profissionais, em que boa parte eram italianos ou descendentes.
Os anos 80 e 90 marcaram a fase de crise aguda e o encerramento das atividades do hospital. Foram feitas várias tentativas para manter vivo o projeto, seja por parte das autoridades governamentais que por parte do Comites de São Paulo. Tentativas que se tornaram inúteis. Em 1993, a agonia chegava ao fim: o Umberto I fechava definitivamente as portas. Sufocada pelas dívidas, a Fundação Ítalo-Brasileira Umberto I decide vender o antigo patrimônio. Os novos proprietários se responsabilizaram por um passivo de mais de 40 milhões de dólares.
A venda, em 1996, transformou o complexo imobiliário em um deserto à espera de um projeto de reativação. Isto porque o plano concebido pela Previ – a construção de um shopping e de um edifíco comercial de 26 andares – foi vetado no Tribunal. O complexo hospitalar foi interditado pela Belas Artes em 1986, para algumas partes do complexo a interdição previa a preservação integral, para as outras a preservação das fachadas e coberturas ou somente da volumetria.
Antes de vender a área para a Previ, a Fundação Ítalo-Brasileira Umberto I tentou a revisão do processo promovido pela Belas Artes para demolir parte da construção, na tentativa de sair da crise financeira. O órgão federal aceitou o pedido, porém todos os projetos apresentados foram recusados. Dois anos depois, a Fundação conclui a negociação com a Previ, que em 1997, conseguiu obter a permissão para demolir alguns edifícios e construir um centro comercial.
O caso foi seguido à distância pela comunidade italiana, com exceção dos habitantes dos bairros da Bela Vista e Bexiga que se mobilizaram e deteram um duro golpe às pretensões imobiliárias da Previ. Através de uma Ação Civil Pública, a Associação dos amigos e habitantes em defesa da qualidade de vida da Bela Vista e o Comitê “Venha para o Bexiga”, tentam impedir a construção do shopping center e do edifício de 26 andares. “A causa deve ser julgada durante este ano, em primeira instância, com possibilidades de recursos posteriores”, afirma o advogado da Associação, Marcus Vinicius Gramegna.
“Nós queremos impedir a demolição de 60% da área”, diz Ângela Oliveira Mello, presidente do Comitê “Venha para o Bexiga”. “Os habitantes não precisam de um shopping. Além disso, um edifício iria contra a ação de preservação da área, porque foi o único prédio que resistiu à verticalização na região da avenida Paulista”.
Para Ângela Mello, o que poderia ser construído no local, preservando a estrutura arquitetônica, seria um hotel de luxo. “Tal obra não agrediria as atuais instalações. Além disso, o mercado hoteleiro demonstrou muito interesse neste projeto”, afirma a líder da comunidade. Em outubro passado o juiz Marco Tamassa, confirmou o bloqueio das estruturas imobiliárias.
José Serra, já havia prometido durante a campanha eleitoral e confirmou nestes últimos dias, querer retomar em projeto a questão anual do Hospital Umberto I, com a colaboração do amigo e ex-embaixador do Brasil na Itália, Andrea Matarazzo, descendente do conde Francesco.
Edoardo Trombetti-Mario Ciccone/News ITALIA PRESS