Grifes italianas namoram o mercado de capitais
09/01/2009
“É muito complicado demitir um primo”, observa Francesco Trapani, o diretor-presidente da Bulgari. A joalheria romana foi fundada por Sotirio Boulgaris, um grego que imigrou para a Itália, em 1884. Os netos do patriarca, Paolo e Nicola, são respectivamente presidente e vice-presidente do conselho de administração. Trapani, que assumiu como diretor-presidente em 1984, aos 27 anos, é sobrinho dos dois.
Mesmo assim, a Bulgari, a terceira maior rede de joalherias de luxo do mundo, depois da Cartier e da Tiffany, é diferente da maioria das empresas familiares de artigos de luxo da Itália. Trapani abriu o capital da Bulgari em 1995, embora soubesse que seria exposto a pressões externas. Agora, outras companhias italianas de artigos de luxo estão pensando em seguir o caminho da Bulgari, rumo ao mercado de ações. O setor está bastante aquecido. Os mercados emergentes da Ásia estão se tornando cada vez mais importantes e exigem mais investimentos em produtos, lojas e marketing. Marcas famosas estão entrando em novas linhas de negócios, incluindo hotéis e decoração de interiores.
As empresas italianas também estão de olho em seus principais concorrentes: as companhias francesas dominam a indústria dos artigos de luxo, com 36% do mercado global. Algumas, como a Hermès, listaram suas ações na Bolsa de Valores de Paris. Outras foram engolidas pela Moët Hennessy Louis Vuitton (LVMH), um grupo de artigos de luxo de capital aberto criado por Bernard Arnault, ou pela PPR, o império varejista e de artigos de luxo de capital aberto estabelecido por François Pinault. Em comparação, a maioria das empresas italianas continua com o capital fechado e paroquiana.
Os laços familiares continuam sendo um patrimônio, diz Trapani, a menos que eles atropelem a lógica dos negócios. Membros do clã Bulgari detêm coletivamente 52% das ações, de modo que eles controlam a companhia. Das empresas independentes italianas, apenas a Bulgari e a Armani, que tem o capital fechado, abraçaram a globalização de maneira adequada, avalia Trapani. A Gucci, outra empresa italiana que abriu suas asas, é parte da PPR.
Apesar da relutância em se tornarem realmente internacionais, outras companhias italianas de artigos de luxo vêm prosperando até agora nesse mercado instável e traiçoeiro, graças principalmente a uma longa tradição artesanal das regiões do norte do país. Além disso, é muito difícil entrar nesse mercado. É preciso tempo para construir um bom nome. O setor de artigos de luxo exige muito capital e cerca de 70% das novas marcas fracassam.
Mas a globalização está criando novas exigências até mesmo para as marcas já estabelecidas e isso poderá levar velhas estratégias ao fracasso. Os asiáticos são agora os maiores consumidores de artigos de luxo. A primeira missão é conquistar esses novos mercados, que vão proporcionar aberturas para novas marcas – incluindo, eventualmente, marcas de artigos de luxo da própria Ásia. As aberturas de capital poderão fornecer recursos para essa expansão. Abrir o capital também encoraja a empresa a ser disciplinada com suas finanças e a aumentar seu perfil.
Essa é a lógica financeira. Mas o que as listagens de ações fariam pelas mentes criativas que estão por trás das marcas italianas? A transição não seria fácil para as companhias familiares italianas mais conhecidas, como a Ferragamo, a Versace ou a Prada. Fundadores de empresas de artigos de luxo da França, como Hubert de Givenchy e Yves Saint Laurent, abriram, com relutância, mão de sua independência quando venderam suas empresas para a LVMH e a Gucci, respectivamente.
As companhias italianas acabaram nessa encruzilhada depois de um período difícil no começo da década. As companhias de artigos de luxo dependem dos turistas, especialmente os asiáticos, em visita à Europa. As conseqüências do boom “pontocom”, dos atentados terroristas aos Estados Unidos, da epidemia de gripe aviária e do começo da guerra no Iraque abalaram a confiança do consumidor e prejudicaram a demanda pelas viagens internacionais.
O setor já se recuperou e as empresas estão com grandes planos. O ano passado foi bom: as viagens internacionais cresceram e as vendas de artigos de luxo também, em média de 10% a 20%. A demanda asiática foi particularmente forte: as vendas na China cresceram 50%. Pesquisas do setor estimam que as vendas mundiais anuais de artigos de luxo estão entre 100 bilhões (US$ 130 bilhões) e 150 bilhões de euros. Os japoneses, em seu mercado doméstico, são responsáveis por cerca de um terço de demanda e os europeus e americanos, cerca de um quarto cada. Cerca de dois quintos das vendas são realizadas na Europa, mas muitas delas são para turistas.
Os investimentos na Ásia serão o teste da capacidade das marcas de competirem no mercado mundial. Agora que o mercado japonês está saturado, a China tornou-se a Terra Prometida do setor. Como regra, um país começa a desenvolver um apetite por artigos de luxo quando a renda per capita média alcança US$ 5 mil a US$ 7 mil por ano, o nível de prosperidade do Japão no fim da década de 1970 – período em que a Louis Vuitton entrou no mercado asiático. Nas cidades mais ricas da China, o PIB por pessoa estava ao redor de US$ 7 mil no ano passado.
Com o aumento da riqueza na China, as atitudes em relação aos artigos de luxo mudaram. Uma década atrás “exibir-se” em público era motivo de reprovação. Agora, os jovens chineses adoram ostentar suas grifes preferidas. Eles vão de Versace, Dolce & Gabbana e Roberto Cavalli e suas logomarcas reluzentes. Robin Wight, presidente da Engine, uma consultoria especializada em empresas de luxo, compara as vitrines dessas marcas à “cauda de um pavão”. O crescimento de dois dígitos do mercado chinês deverá continuar pelos próximos anos. Até 2014, cerca de um quarto das receitas do setor virá dos consumidores chineses.
Para se sair bem na China é preciso grandes investimentos em propaganda e promoção. Os artesãos da indústria italiana já foram extremamente bem-sucedidos, diz Trapani da Bulgari, mas na economia globalizada dos dias de hoje, o tamanho é importante. Companhias maiores podem investir em propaganda e marketing, que são muito importantes num setor construído sobre a imagem e a aspiração. Elas podem pagar por uma rede de varejo ampla, pela tecnologia mais recente de apoio administrativo e contratar os estilistas e administradores mais talentosos.
Após Bulgari, Prada, Versace e Ferragamo estão preparando-se para abrir o capital nos próximos dois anos
Os custos de comercialização podem ser muito altos, assim como as despesas para instalar lojas e treinar o staff de vendas. A presença crescente das marcas internacionais na China já está provocando uma maior competição. Conseguir uma licença para operar no varejo pode ser complicado. Os aluguéis de imóveis nas ruas mais movimentadas do país são tão caros quanto uma peça da Louis Vuitton. E a maioria dos fabricantes de artigos de luxo ainda não se expandiu em outras cidades além de Pequim, Xangai e Guangzhou.
Em 1991, a Ermenegildo Zegna foi a primeira companhia de artigos de luxo da Itália a entrar no mercado chinês. Hoje, a empresa tem 52 lojas espalhadas pelo país. Quase todas as suas concorrentes fizeram o mesmo. A China é o mercado mais interessante, diz Giancarlo Di Risio, presidente da Versace, por que possui cerca de 120 milhões de consumidores que podem comprar seus artigos “super-luxuosos”. A Versace possui cinco lojas na China e pretende abrir outras dez este ano. Os quatro pontos de venda da Bulgari na China ainda não estão dando lucro. E a Gucci possui oito lojas (lucrativas) na China.
Outra coisa que atrai o dinheiro das companhias de artigos de luxo é os novos negócios. Giorgio Armani é pioneiro na ampliação de marca. Ele desenvolveu sub-marcas como Emporio Armani e Armani Junior, para atingir grupos diferentes com poderes de compra diferentes. Agora, numa joint venture com a Emmar, uma incorporadora imobiliária de Dubai, ele está construindo uma rede de hotéis. O segredo é diversificar sem baratear a marca.
Após assumir a Versace em 2004, Di Risio seguiu o exemplo de Armani, embora ele tenha continuado direcionado apenas para os super-ricos. Ele está planejando construir 15 resorts de alto luxo ao redor do mundo com a Sunland Group, uma incorporadora imobiliária da Austrália. É tudo muito ambicioso. Mas ao contrário de seus concorrentes franceses, poucas fabricantes italianas de artigos de luxo possuem a escala ou os recursos para grandes apostas nos mercados emergentes e em novas linhas de negócios, sem que para isso tenham que se endividar perigosamente.
Esse risco sempre existiu, mas na China o risco é particularmente grande. Alguns observadores continuam céticos com o boom chinês e alertam que a maioria dos consumidores chineses possui baixo nível de lealdade às marcas. Além disso, os chineses preferem comprar artigos de luxo fora do país por causa das falsificações no mercado doméstico. E os preços na China continental podem ser até 30% maiores do que em outros lugares por causa das altas tarifas de importação e dos impostos elevados sobre o consumo.
Outros alertam que o crescimento mundial poderá ser mais lento que o previsto. De fato, o setor já pode estar passando por um crescimento mais lento. As vendas poderão aumentar de 8% a 10% este ano, calcula Antoine Belge, um analista do HSBC, comparado à faixa de 7% a 18% do ano passado. Para os próximos dez anos, ele prevê um crescimento médio anual das vendas de apenas 7%.
Se as companhias italianas de artigos de luxo quiserem investir o suficiente para obterem sucesso na Ásia, e ter lastro para absorver reveses, então elas poderão ter de listar suas ações em bolsas de valores. Cerca de 80 delas possuem a percepção de marca, lucratividade e tamanho para fazer isso, segundo afirma a consultoria Pambianco de Milão. Entre elas estão a Dolce & Gabbana, a Diesel e a Armani, além da Ermenegildo Zegna e a Prada. A Diesel e a D&G estão entre as companhias de artigos de luxo mais lucrativas do mundo, com vendas anuais de 1 bilhão de euros e 800 milhões de euros, respectivamente.
Das companhias mais conhecidas poucas estão planejando abrir o capital nos próximos dois anos. A Prada, uma das maiores da Itália, já tentou abrir o capital várias vezes nos últimos seis anos. Na próxima vez poderá dar certo. O Intesa Sanpaolo, o maior banco da Itália, pagou recentemente 100 milhões de euros por uma participação de 5% na companhia, avaliando-a em 2 bilhões de euros. A Prada afirma que poderá listar suas ações no ano que vem.
A Ferragamo, uma fabricante de artigos de couro de Florença, contratou Michele Norsa poucos meses atrás. É o primeiro presidente da empresa que não é membro da família, que continua envolvida nos negócios. Às vezes, a família pode ser contraproducente. Em 1993, a Ferragamo era maior que a Gucci e duas vezes maior que a Bulgari. Hoje, a companhia tem metade do tamanho da Bulgari e um quarto do tamanho da Gucci. “Pretendemos abrir o capital nos próximos 24 meses”, diz Norsa.
Como a Versace está cogitando a idéia de abrir o capital em 2008, a Armani está deslocada nesse grupo: Giorgio Armani, o fundador daquela que é indiscutivelmente a mais bem sucedida das fabricantes italianas de artigos de luxo, prefere ficar independente. A L’Oréal, a companhia francesa de cosméticos, e a LVMH estão loucamente atrás dele, mas Armani acredita que sua companhia, com cerca de 400 milhões de euros em caixa, pode financiar seu próprio crescimento. Os mercados financeiros na verdade não entendem o mundo da moda, diz ele. Se uma nova linha de roupas é condenada pelos críticos, parte das inconstâncias da moda, o preço da ação da companhia vai cair.
Será que os italianos deveriam seguir o exemplo francês e fundir suas empresas em grupos de marcas múltiplas? Seus defensores afirmam que os grupos de marcas múltiplas diminuem os riscos dos grandes investimentos e economizam dinheiro via economias de escala em propaganda, tecnologia da informação, distribuição, matérias-primas e assim por diante. Administradores de marcas individuais podem compartilhar know-how e práticas de governança corporativa. Eles podem, por exemplo, comparar suas experiências de entrada no mercado chinês e a experiência com a tributação e a legislação locais. Finalmente, uma casa de marcas reduz a exposição de uma companhia às inconstâncias do setor.
Mesmo assim, o currículo dos dois grandes conglomerados de artigos de luxo é instável. Nos alucinantes anos 1990, Tom Ford e Domenico De Sole, na época diretores de criação e negócios da Gucci, compraram seis ateliês de moda – Yves Saint Laurent, Balenciaga, Alexander McQueen, Stella McCartney, Bottega Veneta e Sergio Rossi – além da joalheria Boucheron e da fabricante de relógios Bedat. Quando a PPR comprou o grupo em 2001, quase todas estavam perdendo dinheiro. Seis anos depois, a Yves Saint Laurent ainda perde milhões de euros.
Algumas das companhias de artigos de luxo da Itália poderão seguir suas concorrentes francesas no mercado de ações para reforçar seus recursos para as batalhas de marcas que deverão ocorrer no futuro, mas até onde as famílias estão preparadas para ceder o controle é algo que ainda não se sabe. Isso, no fim das contas, pode ser o que vai limitar o crescimento da Itália.
Fonte:
Valor Economico
The Economist
(Tradução de Mario Zamarian)