Furlan contra a China

09/01/2009

Após meses de espera, governo regulamenta salvaguardas contra a China. Empresários brasileiros comemoram

por gustavo gantois

O Hotel Beijing, na esquina da rua Nanheyan, fica a poucos metros da Cidade Proibida. Na sexta-feira 30, o luxuoso cinco estrelas tornou-se palco de uma batalha digna dos feitos narrados pelo mais famoso estrategista que a China já teve, Sun Tzu. Ali dentro, cercados por um batalhão de empresários e assessores, os ministros Luiz Fernando Furlan, do Desenvolvimento, e Bo Xilai, do Comércio, travaram cerca de 20 horas de duras negociações. O luxo proporcionado pelo hotel encarregou-se de conceder momentos de descontração. Mas, ao final do encontro, Furlan saiu furioso. A tentativa de arrancar dos chineses qualquer sinalização de restrição voluntária das exportações havia fracassado. “Não viemos aqui para assinar um acordo qualquer”, bradava Furlan, ao deixar a sala de reuniões, pouco antes de ligar para o presidente Lula e relatar as baixas no front. Ali dentro acabara de ocorrer mais uma mostra da arte chinesa de negociar. Até certo ponto, aparentemente, Xilai estava disposto a abrir mão de alguns produtos. “O acordo estava fechado quando Bo estava na reunião”, explicou Furlan a assessores. Mas assim que o ministro chinês ausentou-se, o seu vice retirou da pauta qualquer menção ao setor calçadista. A artimanha causou um entrave que não pôde ser solucionado a tempo. Já no Brasil, no começo da tarde da terça-feira 4, Furlan descreveu o encontro ao presidente. Decepcionado, Lula autorizou a publicação dos decretos que regulamentam as salvaguardas – uma específica para têxteis e outra abrangendo os demais produtos – que foram divulgados na quinta-feira, 6. Era o sinal que os empresários esperavam para soltar foguetes e arregimentar seus exércitos contra os chineses.

Roberto Castro

US$ 7,4 bilhões: ao ano é o fluxo de
comércio entre Brasil e China.
O Brasil importou US$ 3,3 bi da China de janeiro a agosto de 2005
A medida era uma antiga reivindicação dos setores têxtil, calçadista e de brinquedos. Desde meados de 2003, os empresários reclamavam, internamente, das crescentes importações chinesas. Mas a grita tornou-se pública em novembro do ano passado, quando o Brasil concedeu o status de economia de mercado à China – o que favoreceria a entrada de quinquilharias asiáticas. Agora, o governo cedeu aos apelos da indústria. “Ficou mais fácil provar a inundação de produtos chineses”, disse Fernando Pimentel, diretor da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit). “Foi reduzida a quantidade de informações necessárias para o processo ser aberto”. A Abit se antecipou e preparou seis processos solicitando proteção para 75 produtos. Conseguiu ser a primeira a protocolar um pedido formal no Departamento de Defesa Comercial. É um documento de 20 páginas que pede uma limitação de 7,5% no crescimento das exportações de produtos da cadeia da seda com base nos últimos doze meses. Por sua vez, a Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), ainda prepara o ataque ao flanco chinês. DINHEIRO teve acesso ao teor do processo que deve ser apresentado daqui a um mês. Nele, a Abrinq pede a redução das importações de atuais 19,6 mil toneladas de brinquedos para 6,5 mil toneladas a partir de janeiro do ano que vem. Com isso, a participação dos chineses cairia de 60% para 25% – sem contar os estimados 15% de contrabando que entram no País. “Não queremos impedir os chineses de exportar para o Brasil”, explica Synésio Batista da Costa, presidente da Abrinq. “Mas não quero que eles nos matem”. A conta de Synésio está na ponta da língua: foram 31 empresas fechadas e 10,2 mil trabalhadores demitidos nos últimos 36 meses. Uma baixa digna de tempos de guerra.

No ano passado, apenas 8,3% das quase 20 mil empresas exportadoras brasileiras venderam para a China – e 62% das vendas concentraram-se em soja, minério de ferro e celulose. Em contrapartida, as importações brasileiras cresceram 70%. Nos setores mais frágeis – têxteis, calçados e brinquedos – o aumento foi, em média, de 58%. “As salvaguardas vieram tarde”, atacou Armando Monteiro Neto, presidente da CNI. “Faremos de tudo para que a indústria brasileira se fortaleça”. Há, contudo, quem elogie a parcimônia. O ministro Furlan viajou a Pequim na expectativa de convencer os chineses sem ameaças. Não conseguiu, mas evitou um atrito maior. “Eles não brincam com dinheiro”, adverte um empresário que esteve na comitiva. “Chegar lá com o pé na porta poderia ter posto um fim a qualquer esperança de negociação futura”. Foi o que fez o governo americano. Há quase seis meses EUA e China mantêm uma rotina desgastante de conversas nas quais os chineses não abrem mão de item algum. “O Brasil conseguiu o que os Estados Unidos não foram capazes de obter”, analisa Linda Yuan, economista da London School of Economics. “Os chineses já esperavam as salvaguardas, mas o fato de Furlan ter negociado antes de regulamentar pode barrar qualquer intenção de retaliar”. Em resumo, uma vitória da estratégia sobre a truculência.

Fonte:
Istoé dinheiro
10/10/2005