Europeus sentem mais as dores da queda do dólar

09/01/2009

Quem está “sentindo as dores” da desvalorização do dólar é a Europa. É de lá que podem vir as pressões políticas para que o governo americano atue. Há um risco, embora pequeno (de 10% a 15%), de que desentendimentos entre as duas potências econômicas se tornem mais fortes e gerem atuações descoordenadas que impactem negativamente os mercados. Essa é a visão de Sanjit Maitra, economista-chefe global do WestLB. Em entrevista ao Valor, de Londres, ele disse que o euro é a moeda que mais está se valorizando contra o dólar. “O iene também veio ganhando valor contra o euro nos últimos dias”, afirmou.

O cenário mais provável para o analista é de desvalorização suave, lenta, contínua e gradual da moeda americana. O euro, em um período de seis meses, iria para US$ 1,40. A China não mexeria no seu regime cambial abruptamente e nem deixaria o yuan se valorizar. Os demais países da Ásia evitariam também valorizações mais fortes para não perder competitividade na região. O dólar iria para 98 ienes em seis meses.

Por causa dessa já forte valorização do euro, que torna as exportações européias mais caras ante o resto do mundo, o crescimento econômico na Europa em 2005 será menor, previu Maitra. “O Japão também sentirá um aperto, mas eles já estão acostumados ao crescimento pequeno”, disse. O WestLB reviu para baixo suas estimativas para o crescimento da Europa para o ano que vem, de 1,8% para 1,6%. “Não acho improvável que esse crescimento seja ainda menor, de 1,5% ou 1,4%”, afirma, contra 1,8% do Japão.

“A Europa terá de se ajustar e parar de culpar os Estados Unidos por sua situação”, disse ele. Mas o risco de que declarações ríspidas se transformem em conflitos mais sérios existe, segundo Maitra, com impactos no mercado de ações e de títulos do Tesouro americano.

Ele lembra da crise anterior com grande mergulho do dólar, que se iniciou em 85 e que acabou em um tombo forte no mercado acionário em outubro de 87. O Acordo de Plaza firmado em 85 entre os países ricos definiu por uma depreciação adicional do dólar, para tentar reduzir o déficit comercial americano, e o Acordo do Louvre, de 87, considerou a desvalorização até então suficiente. “Pouca gente se lembra”, disse Maitra, “mas, naquela época, antes do crash na Bolsa, autoridades da Alemanha e dos EUA se acusavam mutuamente e na prática não faziam nada.”

Agora, afirmou, os países ricos se reúnem com mais freqüência. Os mercados internacionais também são diferentes e muito maiores, continuou ele. “Mas é necessário ficar atento às relações internacionais à medida que o dólar se desvaloriza”, afirmou.

Maitra não vê o risco de os bancos centrais asiáticos venderem suas posições em títulos do Tesouro americano, provocando uma ainda mais forte desvalorização do dólar e alta nas taxas de juros americanas no curto prazo. Os bancos centrais, principalmente da Ásia, detêm 43,4% dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos, segundo estudo de Tim Congdon, do Lombard Street Research, publicado no “Financial Times”. Mas Maitra considera que os governos asiáticos não têm interesse político em se indispor com os Estados Unidos.

A China, disse ele, caminha para uma economia mais aberta, de mercado, com o câmbio livre. Mas a paridade fixa do yuan contra o dólar não vai acabar de uma hora para outra, acrescentou ele. Os chineses, continuou, também não têm qualquer interesse em criar constrangimentos com os EUA, considerando-se a importância do mercado americano.

Maitra concorda, no entanto, que as novas aplicações das reservas internacionais de diversos países, inclusive da Rússia, estão sendo destinadas em menor grau para a compra de títulos do Tesouro dos EUA, com o euro mais forte atraindo parte importante delas. Os fluxos privados de recursos para a Europa também crescem, com especial interesse na compra de títulos do Tesouro alemão, colocando uma pressão baixista nos juros europeus. Maitra prevê um corte de taxa na Europa no início de 2005.

Já os juros americanos devem continuar subindo: 0,25 ponto percentual na reunião do Fed, banco central dos EUA, hoje, e outros 0,25 ponto nas próximas duas reuniões, prevê o WestLB. Isso porque o crescimento americano vai continuar forte -3,3% em 2005, contra 4,4% neste ano- e pressões inflacionárias podem vir do mercado de trabalho, diz o WestLB. Como os EUA vão crescer mais do que a Europa, o déficit em conta corrente americano também vai continuar a aumentar, mesmo com o dólar mais fraco, para 6% do Produto Interno Bruto em 2005, frente aos 5,6% previstos para este ano.

Valor Economico
14/12/2004