Emergentes absorvem 51% da exportação agrícola do Brasil
09/01/2009
Os países em desenvolvimento compram hoje mais produtos agrícolas do Brasil do que os países ricos. Com o impulso de economias como China e Rússia, os países em desenvolvimento absorveram 51% das exportações brasileiras de commodities agrícolas em 2004, ultrapassando pela primeira vez os países desenvolvidos, que ficaram com 49% dos embarques, revela estudo do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone).
Essa mudança no perfil do destino das exportações agrícolas brasileiras rompe com a tradição do país de ser um fornecedor de commodities para os países ricos. A mudança começou no início da década de 90. Em 1990, os países ricos compravam 77,1% dos produtos agrícolas brasileiras, enquanto as nações pobres ficavam com 22,9%. Em 2003, os países desenvolvidos estavam com 52,5% , e os emergentes com 47,5%. No ano passado, os países em desenvolvimento tomaram a dianteira.
“O crescimento das exportações agrícolas brasileiras é resultado do aumento da renda”, diz Marcos Sawaya Jank, presidente do Icone. “Não está ligado com queda da proteção dos ricos ou com a eficiência da política comercial brasileira”, critica.
Ele explica que os países em desenvolvimento ganharam espaço como compradores dos produtos agrícolas brasileiros por conta da maior renda per capita. Com a migração do campo para a cidade, essas populações estão comendo mais e trocando a proteína vegetal pela animal. Na China, por exemplo, a população urbana cresceu 4,2% ao ano nos últimos 20 anos.
Mário Jales, pesquisador-sênior do Icone e autor do estudo, diz que a expansão das vendas para a Ásia, principalmente para a China, e para a Rússia, foi fundamental para que os países em desenvolvimento assumissem a liderança das importações agrícolas brasileiras. A soja responde por 80% das exportações agrícolas brasileiras para a China. A Rússia é um grande comprador de carnes e açúcar.
Com a ajuda do aumento dos preços agrícolas e o crescimento do comércio mundial, as exportações brasileiras do agronegócio cresceram estupendos 20% ao ano entre 2000 e 2004. Os embarques para China, Coréia, Índia e Indonésia cresceram a taxas entre 30% e 45%. A Ásia respondeu por 17% do total das exportações agrícolas brasileiras, seguida pelo Oriente Médio, com 10%, e pelo Leste Europeu, com 13%. A América Latina ficou com 10%. A União Européia ainda comprou 36% dos produtos agrícolas brasileiros, e os Estados Unidos ficaram com 7%, em 2004
“Se acabasse a proteção ao setor agrícola no mundo, o Brasil exportaria mais para os países ricos, mas também venderia mais produtos para os países em desenvolvimento, porque compete com produtos americanos e europeus subsidiados nesses mercados”, diz Jales. “No longo prazo, a capacidade de China, Rússia e Índia aumentarem seu consumo é muito maior”.
Por conta da crescente importância dos países em desenvolvimento para a agricultura brasileira, Jank diz que está preocupado com o andamento da Rodada Doha da Organização Mundial de Comércio (OMC). Os integrantes do G-33, grupo de países em desenvolvimento liderado pela Indonésia, propôs a criação de salvaguardas especiais para produtos agrícolas. Esse mecanismo de defesa comercial funcionaria como um gatilho de preço – uma tarifa adicional seria aplicada se o preço caísse abaixo de um certo patamar.
“Se essas salvaguardas fossem criadas, poderiam dificultar o acesso do Brasil a esses mercados”, diz Jank. Por isso, acrescenta, o Brasil não deveria ter medo da abertura no setor agrícola.
O debate sobre salvaguardas especiais promete esquentar na OMC até a reunião ministerial de Hong Kong em dezembro. O G-20, grupo de países em desenvolvimento liderado pelo Brasil, que pede o fim dos subsídios, ainda não se posicionou sobre o assunto. Mas o Brasil pode ser pressionado pelos parceiros China e Índia, países com perfil agrícola mais protecionista, que fazem parte do G-20, mas também participam do G-33.
Também há divergências de opinião dentro do governo brasileiro. Segundo reportagem publicada pelo Valor em maio, o Ministério do Desenvolvimento Agrário defende que o Brasil demande salvaguardas especiais na OMC para proteger produtos importantes para agricultura familiar, como leite, feijão ou arroz.
As negociações da OMC, no entanto, podem ter pouco impacto na proteção tarifária agrícola brasileira. As importações agrícolas brasileiras somam hoje US$ 3 bilhões. Desse total, 61% são provenientes do Mercosul, onde a tarifa é zero: 98% do trigo, 97% do leite e do milho e 80% do arroz.
Fonte:
Valor Economico
Raquel Landim
21/9/2005