Economia contaminada
09/01/2009
A combinação de arrocho monetário com a crise política inibe o consumo, paralisa a produção e coloca os planos de investimentos na gaveta. Pode ser o início de uma nova recessão no País?
por joaquim castanheira,
elaine cotta e eduardo pincigher
Foi um susto nos escritórios da Voith Paper, uma das maiores fabricantes de máquinas para a indústria de papel e celulose do Brasil. Em poucos meses, grandes clientes solicitaram o adiamento de várias encomendas. A partir de setembro, avisaram, voltariam a conversar. Valor da conta: algo em torno de US$ 80 milhões. Só os grandes fabricantes de papel no Brasil adiaram projetos da ordem de US$ 400 milhões. “Por conta disso, também tivemos que nos adaptar e só mantivemos os investimentos que já estavam em curso. Os novos foram postergados”, diz Nestor de Castro Neto, presidente da Voith. Em outras palavras: do plano inicial de US$ 7 milhões, US$ 3 milhões foram parar na gaveta.
Voith adia investimento
Alguns clientes da Voith Paper Brasil, fornecedora de máquinas para o setor de papel e celulose, suspenderam encomendas. Por conta disso, a empresa decidiu postergar US$ 3 milhões em investimentos que seriam feitos este ano. Mais: perdeu para a subsidiária alemã da multinacional contratos para fornecer máquinas para Itália e China.
Castro Neto “O cenário pode afetar quem planeja investir no curto prazo”
Antes fosse um caso isolado. A retração é séria e se espalha pela economia com a velocidade do fogo na palha. Numa combinação explosiva, a crise política somada ao aperto monetário do primeiro semestre paralisou a produção, retraiu o consumo e levou os planos de investimentos para o freezer. Sim, o turbilhão político detonado a partir das denúncias do deputado Roberto Jefferson já contaminou a economia. Quem se detém apenas nos indicadores do mercado financeiro certamente terá uma visão mais rósea das coisas. A Bolsa de Valores não desabou como em outros momentos de dúvidas políticas.
O dólar mantém tendência de baixa. O risco-país praticamente não se mexeu. Mas para quem observa o chão de fábrica, onde a riqueza do país nasce e o emprego é gerado, a situação é bem diferente. “O ritmo de crescimento e dos investimentos já vinha em desaceleração por conta do juro e do câmbio. Com a crise política, o ânimo tende a piorar ainda mais”, disse a DINHEIRO, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf.
Ao contrário de suas primas econômicas, as crises políticas agem de forma sorrateira. Lentamente elas corróem a confiança de empresários e consomem a coragem de desembolsar fortunas em novos projetos. São vários os sinais de que esse processo está a caminho:
• A primeira estimativa para o PIB de 2005 era de 5,5%, no final do ano passado. Caiu para 4% a 4,5%, desceu mais um pouco para 3%. E agora já estacionou nos 2,8%
• Segundo um estudo da MB Associados, apenas 42,1% dos projetos de investimentos anunciados pelas empresas no segundo semestre de 2004 saíram do papel neste ano.
Dedini reduz metas
Uma das principais indústrias de base do País, a Dedini, fabricante de máquinas e equipamentos, sentiu logo os efeitos do caos político. Segundo o presidente Tarcísio Mascarin, os únicos investimentos que permanecem são pontuais nos setores de mineração e sucroalcooleiro. “Nós prevíamos faturar R$ 1 bilhão em 2006. Se chegar a R$ 700 milhões, como neste ano, está bom”, diz.
Mascarin “Já deu para perceber retração nos investimentos após a crise”
• O consumo já sentiu os efeitos da retração. Na indústria de alimentos e bebidas, a atividade industrial de maio avançou apenas 1% frente a abril. No acumulado de janeiro a maio, entretanto, o setor registra uma queda de 8,2%.
• Segundo a Fecomércio, o comprometimento da renda com dívidas subiu de 32% para 39% entre janeiro e junho.
• Com a queda do consumo, o IGP-M registrou índices negativos nos meses de maio e junho:
-0,22% e -0,44%. É bom lembrar: três meses consecutivos de deflação colocam o País tecnicamente em recessão.
• Pesquisa divulgada na última quinta-feira, 30, pela Fiesp revela que o nível de atividade da indústria paulista desacelerou em maio. A expansão foi de meros 0,1%, ante 2,2% no mês anterior. “Essa queda deve continuar nos próximos meses”, disse Paulo Francini, diretor do Departamento de Pesquisas Econômicas da Fiesp.
• Segundo o estudo da Fiesp, a retração foi mais forte em setores como o de máquinas e equipamentos – a atividade que expõe a desconfiança dos empresários em relação ao futuro. Em maio, o índice de atividade deste segmento recuou 1,2% em relação a abril.
O presidente da Fiesp resume a lógica que move os empresários diante das ondas negativas que emanam de Brasília. “Eu compararia a crise política a uma estrada com neblina”, diz Skaf. “O motorista segue dirigindo, mas reduz a velocidade para evitar um acidente”. Em outras palavras, mantém a empresa funcionando, mas não banca qualquer investimento mais pesado. A Dedini, fabricante de bens de capital, se segura devido ao bom momento do setor sucroalcooleiro em 2005. Mas em 2006… “Nossa previsão era fechar 2006 com R$ 1 bilhão de faturamento. Mas, do jeito que a coisa vai, será bom se repetirmos os R$ 700 milhões deste ano”, diz Tarcísio Mascarin, presidente da Dedini. “No mínimo, a crise política atrasa os novos empreendimentos. Setores como o siderúrgico e o de energia já adiaram novos investimentos.”
Mascarin não cita nomes, mas poderia estar se referindo à Gerdau, uma das maiores e mais internacionais siderúrgicas brasileiras. O grupo comandado pelo gaúcho Jorge Gerdau Johanpetter tem um histórico de investimentos constantes. Mas agora tirou o pé do acelerador. Em encontro com analistas na semana passada, o vice-presidente de finanças, Osvaldo Schirmer, garantiu que dois dos projetos são irreversíveis: a ampliação da Açominas, orçada em US$ 900 milhões, e a construção de uma usina em Araçariguama (SP), de R$ 1,25 bilhão. Outros quatro projetos, com valores superiores a R$ 1,5 bilhão, não estão assegurados. “Eles podem ser travados, retardados, para esperar a consolidação da situação”, afirmou Schirmer aos analistas.
Embraer teme imagem
A fabricante de aeronaves está preocupada com a repercussão da crise brasileira no exterior. “Países cujas instituições têm a imagem arranhada despertam a desconfiança dos clientes”, afirma o presidente Maurício Botelho. A companhia possui mais de 1,2 mil pedidos firmes, mas outros 620 que ainda não foram confirmados. O cenário político amplia o risco de perder essas novas vendas.
Botelho “A crise será usada pela concorrência contra nossa empresa”
Mesmo as empresas fortemente exportadoras sofrem os efeitos do clima pesado de Brasília. A Embraer teme que a imagem do País no exterior acabe atingido sua própria marca. “Quando as instituições são arranhadas, a confiança de nossos clientes pode ficar comprometida”, diz Maurício Botelho, presidente da Embraer. A empresa, cujo desempenho melhora ano a ano, tem encomendas firmes superiores a US$ 10 bilhões, equivalente a 1,2 mil aeronaves. Outras 620 estão na conta dos pedidos a confirmar – e são esses que podem ser alvo da desistência dos clientes, motivada pelo aprofundamento da crise política.
O governo, é verdade, procura trabalhar no sentido contrário. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da fazenda Antonio Palocci parecem dispostos a abrir o cofre para dar um novo alento aos negócios e, por tabela, ao emprego e ao consumo. Pode ser uma forma de amenizar o ambiente carregado da capital federal. Ou seja, em vez de a crise política contaminar a economia, a economia pode se tornar o antídoto contra a crise política.
Istoé dinheiro
4/7/2005