Dólar alto pode melhorar situação da indústria brasileira
18/03/2015
Jornal do Brasil
Pamela Mascarenhas
A forte desvalorização do real frente ao dólar, uma queda acumulada em 21,53% neste ano, deve continuar nos próximos meses. Os efeitos podem ser ruins, se tomarmos como referência apenas o curto prazo, ou bons, a médio e longo prazo. O setor industrial brasileiro, que tem passado por dificuldades e registrou queda superior a 3% em sua produtividade no ano passado, poderia ganhar um novo impulso. É fato, contudo, o impacto na taxa de inflação do país, já pressionada por outros fatores como o ajuste de preço da energia. Se acentua ainda a necessidade de um câmbio menos volátil.
No geral, o patamar do câmbio mais alto é um incentivo à indústria nacional, explica Pedro Rossi, professor do Instituto de Economia da Unicamp. O câmbio sozinho, porém, pode não gerar o efeito esperado para a indústria nacional, que trabalha com outros parâmetros. O fundamental deles é a demanda. "Essa desvalorização [da moeda brasileira frente ao dólar] foi gerada por motivos externos e agravada por alguns motivos internos. Do ponto de vista efetivo, no curto prazo, ela é prejudicial à economia. Mas no médio e longo prazo ela pode beneficiar, porque pode incentivar os setores industriais", resume Rossi.
"É claro que durante muitos anos a gente teve, na verdade, preços relativos que foram negativos para o setor industrial. A desvalorização cambial aparece como um alívio, mas ele tem vários outros tipos de efeito, também sobre a inflação, e efeitos financeiros sobre montante de dívida", comenta o professor.
Roberto Geraldo Simonard Santos Filho, professor do Departamento de Economia da PUC-RJ e da ESPM-RJ, ressalta que a escolha da taxa de câmbio ideal para um país em desenvolvimento sempre foi uma "escolha de Sofia". "Na década de 1980, era uma tortura para os ministros decidirem o que fazer, porque nós tínhamos um país com problema de inflação alta, e um problema de escassez de divisas."
Um real desvalorizado frente ao dólar no mercado internacional oferece a chance do país exportar mais, gerando mais empregos, arredação de impostos e aceleração da atividade econômica, aponta Santos Filho. Também pode ajudar a reduzir o saldo negativo da balança de Turismo brasileiro, já que conteria os gastos de brasileiros no exterior. Por outro lado, não agrada quem gostaria de viajar, e ainda faz com que o produto importado vendido no país fique mais caro, assim como os insumos estrangeiros utilizados para a produção nacional, pressionando a inflação. O comércio que vinha fazendo dinheiro com a venda de importados também não deve ficar muito satisfeito.
Para Santos Filho, a forte desvalorização da moeda brasileira deve continuar por um longo tempo. A quantidade de dólar em circulação no território brasileiro passa por um período de queda, devido à situação econômica brasileira e ao crescimento dos Estados Unidos. "O país estava com taxa de câmbio baixa porque estava entrando muitos dólares, as exportações de commodities estavam muito valorizadas, o país estava bem, economicamente. Com uma imagem no exterior muito boa, estava atraindo capital. Agora, a tendência é que a saída de dólares seja maior que a entrada, e aí a taxa de câmbio sobe", lembra Santos Filho.
Mas a indústria brasileira precisa de ajuda, salienta o professor, que resgata a história da "doença holandesa" para explicar os efeitos de uma moeda nacional muito valorizada para a indústria de um país. Na década de 1960, a Holanda se tornou uma grande exportadora de gás. Na época, já tinha um parque industrial razoável. O gás começou a garantir muitos dólares, a taxa de câmbio caiu e o setor industrial passou a ser duramente atacado pelo produto internacional, que entrava na Holanda a preços competitivos. É o que acontece com grandes exportadores de commodities, como a Venezuela e os países do Oriente Médio, com relação ao petróleo.
"O Brasil é um pais que não é dos mais adiantados. As economias mais avançadas têm certa independência da taxa de câmbio", aponta Santos Filho. Como o produto da indústria brasileira não é competitivo o bastante para concorrer no mercado internacional com preços mais altos, a queda no preço pode ajudar, como acontece com os produtos chineses, vistos como de pouca qualidade pelos brasileiros, mas que sempre encontram demanda devido ao apelo dos preços baixos.
A alta do dólar, então, vem num mal momento para a inflação brasileira, mas vem em um momento oportuno para a indústria, que vem encolhendo nos últimos anos e agora pode concorrer com o produto estrangeiro.
De acordo com Pedro Rossi, o o patamar mais alto do dólar é importante para a indústria brasileira ter competitividade, mas é importante também atentar para a sustentabilidade desse patamar e para a volatilidade do câmbio. "Eu acho que a gente poderia ter um pouco mais de estabilidade e previsibilidade nos movimentos da taxa de câmbio", disse.
Para Rossi, o mercado de câmbio tem que ter uma regulação maior e os movimentos da taxa precisam ser mais pensados, menos voláteis, para o país não ficar "ao sabor da liquidez internacional".
Fonte:
Jornal do Brasil