Demanda da China consome producão brasileira de soja

09/01/2009

Durante mais de dois mil anos, os chineses transformaram soja em tofu, produto essencial na dieta do país. Mas à medida que a economia do país cresce, o mesmo acontece com o apetite chinês por carnes – de porco, aves e gado -, que requerem volumes maiores de soja como ração animal. Com problemas de escassez no abastecimento de água, a China recorre ao Brasil, novo parceiro comercial, distante 24 mil quilômetros, para fornecer maior quantidade do grão, rico em proteínas essenciais.

O esforço global da China para obter recursos naturais está transformando o comércio agrícola do mundo. A diminuição da disponibilidade de terras cultiváveis e do suprimento de água está comprometendo a capacidade da China de se alimentar, e o uso crescente de terras agrícolas nos Estados Unidos para a produção de biocombustíveis como o etanol, leva a China a buscar mais produtos agrícolas na América do Sul, onde a terra ainda é barata e abundante.

Robert L. Thomson, professor da Universidade de Illinois e ex-diretor de desenvolvimento agrícola e rural do Banco Mundial, diz que os chineses estão tentando “conseguir contratos de longo prazo para o fornecimento de minerais, energia e alimentos”. Anteriormente, o maior comércio bilateral de alimentos fluía entre Estados Unidos, maior exportador mundial de alimentos, e Japão. Mas países com vastas terras aráveis disponíveis para expansão, particularmente o Brasil, disputam a demanda chinesa, cuja população de 1,3 bilhão é 10 vezes superior à do Japão.

Os agricultores americanos já começaram a plantar mais milho para a produção de etanol em detrimento de outras culturas, incluindo a soja. Mas eles não desistirão facilmente de seu papel primordial no comércio de grãos, lembrando de como o embargo aos grãos americanos pelo então presidente Richard M. Nixon no início dos anos 70 ajudou a deslanchar a indústria brasileira de soja.

Com um sistema superior de transporte das safras agrícolas para mercados globais, os americanos têm vantagens sobre seus competidores do Brasil e de outros países em desenvolvimento. Problemas de infra-estrutura e financiamento no Brasil limitarão a sua capacidade de competir para alimentar a China de maneira contínua nos próximos anos.

Tendência

No coração das mudanças está a competição por terra para o cultivo. O Brasil, que ocupa cerca de 70 milhões de hectares com lavouras, tem espaço para dobrar essa área, igualando a escala dos EUA, segundo analistas, mesmo sem desmatar mais nada da floresta amazônica.

“De repente, tem um mercado global de terra, uma competição entre vários produtos diferentes pela mesma quantidade de terra”, disse Sérgio Barroso, presidente das operações brasileiras da Cargill, maior trader de grãos do mundo. A indústria brasileira de soja perde terreno para a cana-de-açúcar para a produção de etanol em algumas áreas, disse ele, e está competindo com milho, algodão e gado.

“Se você juntar tudo, rações e alimentos”, disse Barroso, “vai ser um desafio tremendo.” As expectativas brasileiras cresceram há três anos, quando Hu Jintao, o presidente da China, visitou a América do Sul e brindou a uma “parceria estratégica” com o presidente Lula, prevendo que o comércio entre os países dobraria para US$ 20 bilhões. A China prometeu investir US$ 10 bilhões, a maior parte em infra-estrutura.

Em certa medida, os brasileiros ficaram desapontados com o que veio em seguida. Os chineses se chocaram com a burocracia brasileira e hesitaram sobre esperar as regras do Brasil para ativar as inversões público-privadas. “Pouca coisa aconteceu”, disse Pedro de Camargo Neto, ex-funcionário do Ministério da Agricultura do Brasil, atualmente consultor de agribusiness.

Mas a China continuou seu frenesi de compra no Brasil. O comércio de soja entre os países explodiu. No ano passado, o Brasil exportou quase 11 milhões de toneladas de soja em grãos para a China, um aumento de 50% em relação ao ano anterior, e quase o dobro da quantidade embarcada em 2004. As primeiras indicações são de que o Brasil produziu uma nova safra recorde e analistas esperam que a China devore a maior parte desse aumento.

Apesar de os Estados Unidos permanecerem sendo o maior produtor de soja, no ano passado o Brasil se tornou o maior exportador. Este ano, os EUA recuperarão a coroa, mas as exportações americanas de soja deverão cair 23% na safra de 2009-2010, segundo o Departamento de Agricultura.

Apesar de todos os ganhos, porém, o crescimento das exportações para a China criou um sentimento de desconforto entre muitos na agricultura brasileira. Eles receiam que o crescimento dessa relação possa acelerar um modelo de desenvolvimento em que o Brasil dependerá demais das vendas de matérias-primas, em detrimento dos produtos de maior valor agregado.

E depois de desfrutar de um prolongado superávit comercial com a China, o comércio do Brasil com esse país caiu para um déficit na maior parte do último trimestre porque a China aumentou suas exportações de produtos manufaturados.

Fonte:
Mediamax