Crise leva o consumidor a escolher qual conta vai pagar: luz, água ou telefone
23/06/2015
Todo dia que chega uma nova conta na casa da auxiliar de classe Juce Passos, o documento não só é lançado no orçamento das despesas fixas como acaba se juntando a outros que disputam centavo por centavo do salário da consumidora. “Estou na base do sorteio para saber o que vou pagar. A luz mesmo, eu tenho pago mês sim, mês não e assim eu vou levando”, diz, em meio ao sufoco financeiro deste ano. Segundo números do SPC Brasil e da Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL), as dívidas nas contas de luz e água cresceram 13,31% em maio em comparação com o mesmo mês de 2014. O índice geral de inadimplentes, segundo a mesma pesquisa, cresceu 4,79% no mesmo período. “Na verdade, o negócio está tão feio que as pessoas estão deixando até mesmo de pagar as contas básicas”, afirma a economista-chefe do SPC Brasil, Marcela Kawauti. Não é de hoje que Juce tenta fazer economia. Ela já cortou o pacote de TV por assinatura, mudou o celular pré-pago para um plano controle, cortou o telefone fixo, só vai ao salão de beleza em dia de festa e já retirou do carrinho de compras até o presunto do pão. Ah, a viagem de São João também está na lista de cortes. “A conta de luz foi o que mais me deixou desregularizada para as outras coisas”, diz. A conta de luz de Juce aumentou, e muito. “Eu pagava, em média, R$ 50. Agora está na base de R$ 117, mas teve um mês que chegou a R$ 190. Aí não tem jeito fico sem pagar até o limite do aviso de corte enquanto corro do outro lado para resolver”.
A pagar
O mesmo Índice de Inadimplência destacou também o crescimento de 12,02% das dívidas cujos credores são do segmento de telefonia, internet e TV por assinatura, seguido pelo segmento de bancos, que engloba dívidas no cartão de crédito, empréstimos, financiamentos e seguros, com crescimento de 10,10%. Pendências com vencimentos entre 91 e 180 dias têm maior alta. Segundo a economista-chefe do SPC, Marcela Kawauti, as dívidas não estão crescendo apenas pelo o aumento da taxa de juros. É o salário que não está dando para garantir as despesas. “A pessoa está equilibrando pratos. Não tem priorização de um único segmento: se vão cortar minha luz, eu vou e pago – mas se eu vou perder o limite do meu cartão de crédito, eu vou resolver isto”, exemplifica. Ainda que o crescimento das dívidas no setor de contas de água e luz seja o principal destaque do mês de maio, o ramo de bancos é o principal setor credor, com participação de quase metade (48,56%) no total de dívidas em atraso, seguido do comércio, com índice de 19,85%. Atualmente, o SPC Brasil estima que 56,5 milhões de consumidores estejam listados em cadastros de devedores inadimplentes. Deste número, 2 milhões de novos devedores foram incluídos nos cinco primeiros meses de 2015.
Corte drástico
Para o educador financeiro do Portal Meu Bolso Feliz José Vignoli, o momento agora não é mais só de cortar as “gordurinhas” do orçamento, mas o de optar por cortes extremos. “Se a pessoa chegou ao ponto de não conseguir honrar uma despesa básica, isso vai acabar exigindo dela uma postura mais firme com relação a cortes”. A primeira coisa é identificar a origem do aperto. “Com os reajustes e a inflação, o consumidor perdeu completamente a margem de manobra, o que acabou comprometendo o orçamento. Não tem jeito, vai precisar rever seus costumes”, recomenda. Outra dica é buscar uma renda extra. “Por menor que seja o rendimento de uma atividade informal ou uma prestação de serviço fora do trabalho pode fazer a diferença em um momento como este”. A analista de sistemas Simone Queiroz chegou a ficar um mês com luz cortada para conseguir pagar as duas contas que devia. “Tive que ficar à luz de velas e juntar durante o mês todo para atualizar a dívida e ter o fornecimento do serviço reestabelecido”, ressalta. Todo mês, ela se vê obrigada a enxergar um novo item do orçamento que pode ser cortado. “Está difícil. A gente vai empurrando e está sobrevivendo só para pagar as coisas. A saia justa com as despesas é diária”, lamenta. A presidente da Associação do Movimento das Donas de Casa e Consumidores da Bahia (MDCCB-BA), Selma Magnavita, também reconhece que está cada vez mais difícil fazer o dinheiro render, mesmo com todo tipo de economia doméstica. “O dinheiro realmente não está dando, nem acompanhando estes aumentos que vieram de uma vez só”, ressalta. “Temos cortado de onde pode e de onde não pode para segurar o reflexo de uma má administração econômica do governo”, revolta-se.
Negociação
Se a dívida já existe, a solução então é negociá-la, como explica o educador financeiro Edísio Freire. “A dívida não pode correr solta, em hipótese alguma, principalmente se tratando de despesas básicas”. Além do valor da conta, a multa por atraso, taxas e juros vão tornar o débito maior. Na conta de luz, o percentual aplicado de multa por atraso de pagamento é de 2% sobre o valor da conta, além da cobrança de juros de 1% por dia. As taxas de religação de baixa tensão (residências) variam de R$ 5,31 a R$ 66,58 (atendimento em até 24 horas) e R$ 26,62 a R$ 66,58 (atendimento em até quatro horas). Na conta de água não é diferente. A multa por atraso é 0,33% ao dia e os juros chegam a 2% também ao dia. No prazo de três dias úteis, a taxa de religação é R$ 43,20, e, no prazo de 24 horas úteis, é R$ 70,67. O consumidor deve optar por um acordo de parcelamento a longo prazo. “Tem que ser uma parcela que caiba no orçamento para que você não fique devendo a conta do mês seguinte e o acordo que acabou de fazer”.
Número de cheques sem fundos cresce 2,29% em maio
A inadimplência em cheques voltou a crescer em maio, segundo dados divulgados ontem pela Serasa. No mês, 2,29% dos cheques emitidos foram devolvidos pela segunda vez por falta de fundos. Em abril, esse percentual havia ficado em 2,26%. Ao todo, foram 1,24 milhão de cheques devolvidos, frente a 54 milhões de emitidos. O percentual é o maior para o mês em seis anos, e o terceiro maior da série histórica do indicador, que tem início em 1991 – perde apenas para maio de 2009, quando ficou em 2,52%, e maio de 2006, com 2,37%. Em nota, a Serasa aponta que a alta da inadimplência está ligada aos impactos negativos da alta da inflação, das taxas de juros e do desemprego. O Indicador Serasa Experian de Cheques Sem Fundos consiste no levantamento mensal sobre a quantidade de cheques devolvidos por insuficiência de fundos em relação ao total de cheques compensados. Para efeito do cálculo do indicador, só é considerada a segunda devolução por insuficiência de fundos.
Inadimplência das empresas avança 8,33%, aponta o SPC
O volume de empresas com dívidas atrasadas registrou a terceira aceleração consecutiva em maio. De acordo com o indicador calculado pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), a quantidade de empresas inadimplentes apresentou crescimento de 8,33% em maio de 2015 na comparação com o mesmo mês do ano passado. A alta é a maior desde julho de 2013 e representa uma aceleração da inadimplência com relação aos números do início do ano, quando o indicador oscilava em torno dos 6%. Para a economista-chefe do SPC Brasil, Marcela Kawauti, esse avanço da inadimplência das empresas é reflexo da piora do cenário macroeconômico. “O resultado reflete um cenário econômico com menor atividade da economia e maior restrição ao crédito, ambos fatores que afetam a capacidade de pagamento tanto das famílias como das empresas”.
Fonte: Correio24horas