Crise faz Lula avaliar desistência da reeleição
09/01/2009
ESCÂNDALO DO “MENSALÃO”/RUMO A 2006
Denúncias envolvendo o PT e o seu governo desanimaram o presidente, que pensa em Palocci como opção petista para 2006
CLÓVIS ROSSI
Se tivesse que tomar hoje a decisão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva renunciaria a disputar um novo mandato nas eleições de 2006. Esse pelo menos é o ambiente que se vive no entorno presidencial.
É claro que a crise é o principal combustível para a eventual desistência de um Lula que os amigos encontraram, no arraial junino de sábado, “mais triste do que quando perdia eleições”, na descrição ouvida pela Folha.
É uma avaliação fortíssima porque as derrotas eleitorais, num primeiro momento, sempre abateram muito o hoje presidente, até que a perspectiva de uma nova campanha o reanimasse.
É sintomático que, logo após a vitória de 2002, um amigo íntimo perguntou a Lula o que gostaria de ser se não fosse presidente.
“Candidato”, respondeu Lula, de bate-pronto.
Fica claro, portanto, que cogitar de não ser de novo candidato revela uma profunda tristeza.
Mas há também motivos menos circunstanciais para cogitar de não concorrer a um novo mandato. Primeiro deles: a antipatia pelo próprio instituto da reeleição.
Antipatia tamanha que, muito antes de que reeleição fosse um tema da agenda política, Lula incumbiu-se de acabar com ela no âmbito do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo (até então eram ilimitadas as vezes que um presidente podia se reeleger).
Missão cumprida
Quando, no fim do ano passado, as conversas sobre reeleição ganharam mais força no próprio Palácio do Planalto, Lula chegou a dizer que tinha um candidato “in pectore” para 2006, sempre na hipótese de ele próprio renunciar à recandidatura: o hoje óbvio nome de Antonio Palocci.
Entre os íntimos que sugerem a Lula não disputar a reeleição, a crise forneceu combustível adicional: quase tudo o que está vindo agora à tona, acham tais amigos, é culpa do projeto de reeleição. Argumentam mais: que em todos os casos conhecidos de segundo mandato, o segundo foi pior que o primeiro.
Neste caso, é verdade: Fernando Henrique Cardoso, o peruano Alberto Fujimori e o argentino Carlos Menem tiveram seus piores momentos a partir do segundo mandato.
Por fim, há o fato de que o presidente acha que sua missão foi cumprida ao ganhar a eleição. É eloqüente que, em discurso na cidade de Cusco, no fim do ano passado, após o lançamento da Comunidade Sul-Americana de Nações, Lula tenha afirmado: “Se eu tivesse que morrer daqui a cinco minutos, já teria valido a pena ter sido presidente do meu país”.
O grande problema para transformar a antipatia pela reeleição em uma decisão final é o PT. Lula é incomparavelmente maior, em termos eleitorais, do que o seu partido. Os números de 2002 atestam: enquanto o candidato presidencial levava 46% dos votos, no primeiro turno, no mesmíssimo dia o partido elegia apenas 17% dos deputados federais.
Logo, qualquer outro nome que substitua Lula terá imensas dificuldades para eleger-se, mais ainda em um cenário em que a imagem do partido foi duramente atingida pela crise -mais atingida, aliás, do que a do presidente.
Mesmo Palocci, blindado pelo empresariado, parte da mídia e até pela oposição, é um candidato débil. Se tivesse tanto prestígio, entre os eleitores, como tem entre empresários, especialmente do setor financeiro, teria pelo menos levado ao segundo turno seu candidato à Prefeitura de Ribeirão Preto, no ano passado.
A decisão final de Lula sobre a candidatura ou não vai começar a ficar mais nítida a partir desta semana, quando seu círculo íntimo espera dois movimentos simultâneos: a reorganização do governo e a reforma do comando petista.
No primeiro caso, não há muito o que fazer, avalia-se entre amigos do presidente. O PMDB, convidado para fazer parte do governo como novo sócio de um condomínio já heterogêneo demais, não é capaz de conferir a aura de lisura que seria a melhor forma de recompor a imagem da administração Lula. Mas é o único grande partido disponível.
O outro seria o PSDB. Lula chegou a namorar discretamente a hipótese de algum tipo de entendimento com os tucanos, durante o início do governo. Sabe, no entanto, que hoje não há a menor chance de o namoro sair das conversas discretas entre ministros como Palocci e Márcio Thomaz Bastos (Justiça) e dirigentes do PSDB.
Nelas, pelo que a Folha apurou, nem se discute algum tipo de barganha. Há apenas o despejar de “angústias” pelos governistas.
Reforma do PT
Já a reforma do PT é encarada no Palácio do Planalto não apenas como uma operação limpeza, mas como uma “repactuação” entre as correntes internas.
Ou, objetivamente: substituir o “dirceusismo” pelo “lulismo” no comando partidário.
O Palácio do Planalto emite todos os sinais de que não pertencem ao “lulismo” os nomes cuja defenestração a crise está tornando inevitável (Sílvio Pereira, o secretário-geral, e Delúbio Soares, o tesoureiro).
São crias de José Dirceu, então presidente do partido, depois licenciado para chefiar a Casa Civil.
José Genoino, outro afastamento possível, não faz parte do esquema Dirceu. Assumiu o partido no modelo “porteira fechada”, com todos os dirigentes atuais já dentro. Se cair, portanto, será mais vítima das circunstâncias do que de arranjos internos.
Se conseguir recompor o PT e devolver alguma ou muita operacionalidade ao governo, Lula pode voltar a entusiasmar-se com a condição de candidato que é a sua paixão. Do contrário, a intenção de desistir ficará muito mais forte.
Folha de S.Paulo
5/7/2005