Comércio teme mais o referendo que a indústria
09/01/2009
Quem passa em frente à loja Ao Gaúcho, à rua Vieira de Carvalho, no centro de São Paulo, vê o proprietário Sérgio Maresca e sua mãe, Maria Helena, cuidando sozinhos do estabelecimento especializado na venda de artigos de caça e pesca. Os três funcionários são enviados todos os dias para a estação do metrô República, nas proximidades, para distribuir folhetos pregando o voto no “não”.
Fundada em 1925 por Francisco Sprovieri, bisavô de Maresca, a loja foi passando de geração em geração na família e é um dos mais tradicionais pontos de venda de armas e munições na cidade. Se o “sim” prevalecer no referendo, Maresca não titubeia quanto ao que fará: “Fecho as portas”, diz.
O discurso é repetido por boa parte dos varejistas desse setor, que já viu seus negócios encolherem desde 23 de dezembro de 2003, quanto o estatuto do desarmamento entrou em vigor e trouxe diversas restrições à atividade.
O referendo do próximo domingo levará para consulta popular a proibição do comércio de armas e munições – um dos 37 artigos do estatuto. Para muitos comerciantes, a vitória do “sim” é encarada como uma pá de cal nos negócios. “Não saberia o que fazer. Esta é minha profissão há dez anos”, diz Mohamede Adel Osman, proprietário da Blinseg, que fornece armas, munições e acessórios para defesa pessoal.
Escondida na sobreloja de uma ótica na Avenida Álvaro Ramos, no bairro da Moóca, em São Paulo, a Blinseg é acessada por uma porta estreita de alumínio e vidro azul, sem placa. Se a proibição entrar em vigor, a única alternativa para varejistas como Osman será voltar-se às empresas de segurança ou transportes de valores que optarem por não comprar direto das fábricas – um mercado restrito que não sustenta seu negócio, diz.
Na indústria, entretanto, o impacto tende a ser menor. Os fabricantes já obtêm a maioria do faturamento com as exportações. Na Taurus, os embarques ao exterior responderam por 65,8% da receita líquida não consolidada de R$ 57,2 milhões no primeiro semestre. Em 2004, no mesmo período, a fatia foi de 78,2%.
Metade do faturamento de R$ 223 milhões obtido pela Companhia Brasileira de Cartucho (CBC) em 2004 veio de exportações. Dos 50% provenientes do Brasil, 35% são gerados com vendas para instituições policiais e militares, o que a vitória do “sim” não alteraria.
Na Rossi, fabricante de espingardas e carabinas, a participação externa chega a 80% e na Boito, que opera no mesmo segmento, a 95%. “O malefício que poderia ser provocado já aconteceu com a entrada em vigor do estatuto do desarmamento, em dezembro de 2003”, afirma o diretor de marketing da Boito, de Veranópolis (RS), Vilson Kurtz Amantino.
De acordo com ele, antes do estatuto o mercado interno rendia cerca de R$ 650 mil mensais e respondia por 30% da receita. Hoje as vendas domésticas representam apenas 5% do faturamento de R$ 2,5 milhões por mês.
Já o comércio, que não tem a opção da exportação, continuará castigado mesmo que o “não” prevaleça no referendo, pois as restrições do estatuto serão mantidas. Elas incluem taxas obrigatórias para quem compra uma arma, como o registro na Polícia Federal, certidões, prova de tiro e exame psicotécnico, que somam cerca de R$ 700. A idade mínima subiu de 21 para 25 anos e o porte de armas foi restringido.
No Recife (PE), há cerca de dois meses o comércio especializado praticamente suspendeu as vendas devido à pressão exercida pela sociedade civil. Em toda a capital pernambucana apenas uma loja ainda comercializa armas e munições. “A legislação atual é tão restritiva que as vendas acabam não se concretizando”, afirma o proprietário do Atacado da Pesca, Francisco Dias.
Muitos comerciantes do ramo já fizeram ajustes rigorosos. Maresca, do ‘Ao Gaúcho’, saiu do espaço de 400 metros quadrados que ocupava na Avenida São João para o atual, três vezes menor. Vera Ratti, proprietária de uma loja da armas na região do bairro de Santa Cecília, em São Paulo, cujo nome pediu para não ser revelado, conta que demitiu 12 de seus 30 funcionários.
Alguns estabelecimentos passaram a diversificar as vendas para sobreviver. É o que ocorreu com a Casa Âncora, também de São Paulo. Fundada em 1950, mais da metade do faturamento da loja vinha de armas e munições até meados da década de 90. Desde então, as crescentes restrições a esse comércio fizeram o proprietário Renato Toschi apostar em pesca, camping e mergulho. Hoje as armas respondem por apenas 5% da receita.
Fonte:
Valor Economico
21/10/2005