Celular vira saída para reduzir as diferenças

09/01/2009

Foi uma idéia nascida nos dias distantes da bolha da internet: a preocupação de que à medida que as pessoas dos países ricos fossem abraçando as novas tecnologias de comunicação e computação, as populações dos países pobres ficariam presas no lado errado de uma “cisão digital”.

Cinco anos depois do estouro da bolha tecnológica, muitas idéias da época, como a de que o tráfego na internet dobrava a cada 100 dias, foram sabiamente arquivadas. Mas a idéia da cisão digital persiste.

Na segunda-feira, depois de anos de debate, a Organização das Nações Unidas lançou um “Fundo de Solidariedade Digital” para financiar projetos que abordam a “distribuição desigual e o uso de novas tecnologias de informação e comunicação” e “permitir que países e pessoas excluídos entrem na nova era da sociedade da informação”.

Mesmo assim, o debate sobre a exclusão digital está erigido sobre um mito – o de que plugar os países pobres na internet vai ajudá-los a se tornar ricos rapidamente. Isso é muito improvável porque a exclusão digital não é um problema em si, mas um sintoma de divisões mais profundas e importantes: de renda, desenvolvimento e alfabetização.

Nos países pobres um número menor de pessoas tem computadores e acesso à internet porque elas são muito pobres, iletradas ou têm outras preocupações mais prementes, como alimentação, saúde e segurança. Portanto, mesmo que fosse possível sacudir uma varinha mágica e fazer um computador aparecer em todos os lares do planeta, não se conseguiria muita coisa: um computador não é útil se você não tem eletricidade, não sabe ler e nem se alimenta direito.

Mesmo assim, essa sacudida da varinha mágica – por meio da construção de projetos locais específicos de infra-estrutura, como telecentros rurais – é o tipo de coisa que o novo fundo da ONU deverá ser. Como o fundo será financiado e administrado é um tema com discussão marcada para setembro.

Uma proposta popular é a de que as empresas de tecnologia que atuam nos países pobres sejam encorajadas a doar 1% de seus lucros para o fundo. Em troca, elas poderiam usar uma logomarca de “solidariedade digital”. (Todos aqueles preocupados com a eventual contaminação da proposta pela corrupção ficarão mais animados ao saber que um sistema de inspeções também foi proposto.)

Esse tipo de coisa é a maneira errada de tentar resolver as desigualdades no acesso às tecnologias digitais: é tratar os sintomas, ao invés das causas implícitas. Os benefícios da construção de centros rurais de computação, por exemplo, não estão claros.

Em vez de tentar acabar com a divisão como um problema em si, a meta mais sensata é determinar qual a melhor maneira de usar a tecnologia para promover o desenvolvimento de baixo para cima. E a resposta para esta pergunta é admiravelmente clara: promover não a disseminação dos computadores pessoais e da internet, e sim a dos telefones móveis.

Muitas evidências sugerem que o telefone celular é a tecnologia com maior impacto sobre o desenvolvimento. Uma recente pesquisa constata que os telefones móveis ajudam a aumentar as taxas de crescimento de longo prazo; que seu impacto é duas vezes maior nas nações em desenvolvimento do que nas desenvolvidas e que a cada grupo de 10 telefones extras por 100 pessoas em um país em desenvolvimento aumenta o crescimento do PIB em 0,6 ponto percentual.

Além disso, quando o assunto é telefone móvel, não há necessidade de intervenção ou financiamento da ONU: até mesmo as pessoas mais pobres do mundo estão correndo para comprar um celular, porque seus benefícios econômicos são bastante aparentes. Os telefones móveis não dependem de um fornecimento permanente de eletricidade e podem ser usados por pessoas que não sabem ler nem escrever.

Telefones são amplamente compartilhados ou alugados por chamada, por exemplo pelas “telephone ladies” encontradas nas vilas de Bangladesh. Agricultores e pescadores usam telefones móveis para fazer contatos com vários mercados e encontrar aquele em que vão conseguir os melhores preços para seus produtos.

Pequenas empresas os usam para comprar insumos. Os telefones móveis são usados para fazer pagamentos em Zâmbia e em vários países da África.

Embora o número de celulares por grupo de 100 pessoas nos países pobres seja muito menor do que no mundo desenvolvido, eles podem ter um impacto dramático ao diminuir os custos das transações, ampliar as redes comerciais e reduzir a necessidade de viagens, o que têm um valor particular para pessoas em busca de trabalho. Não é de se admirar que as pessoas nos países pobres gastem uma proporção maior de sua renda em telecomunicações do que nos países ricos.

A divisão digital que realmente importa, portanto, é entre aqueles que têm acesso a uma rede de telefonia móvel e aqueles sem esse acesso. A boa notícia é que essa brecha está se fechando rapidamente. A ONU estabeleceu uma meta de 50% de acesso até 2015, mas um novo estudo do Banco Mundial (Bird) observa que 77% da população mundial já vive ao alcance de uma rede de telefonia móvel.

E mais pode ser feito para promover a difusão dos telefones móveis. Ao invés de se mexer com telecentros e projetos de infra-estrutura de méritos duvidosos, a melhor coisa que os governos dos países em desenvolvimento podem fazer é liberalizar seus mercados de telecomunicações, acabando com os monopólios estatais e encorajando a competição.

A história mostra que quanto antes a competição é introduzida, mais rapidamente os telefones móveis começam a se disseminar. Tomem-se como exemplos a República Democrática do Congo e a Etiópia. Os dois países têm renda per capita média de apenas US$ 100, mas o número de celulares por grupo de 100 pessoas é de dois no Congo (onde existem seis redes de telefonia móvel), e de 0,13 na Etiópia (onde há apenas uma rede).

Segundo o Banco Mundial, o setor privado investiu US$ 230 bilhões em infra-estrutura de telecomunicações no mundo em desenvolvimento entre 1993 e 2003. Os países com mercados bem regulamentados e competitivos estão recebendo os maiores investimentos.

Várias companhias, como a Orascom Telecom e a Vodacom, especializaram-se em oferecer acesso à telefonia móvel em países em desenvolvimento. Os fabricantes de celulares, enquanto isso, estão correndo para desenvolver aparelhos baratos para novos mercados do mundo em desenvolvimento.

Ao invés de tentar eliminar a cisão digital por meio de projetos de infra-estrutura de TI de cima para baixo, os governos do mundo em desenvolvimento deveriam abrir seus mercados de telecomunicações. Então, empresas e clientes em seus próprios países – incluindo os mais pobres -, eliminarão eles mesmos essa divisão.

Valor Online
Fonte: The Economist
(Tradução de Mário Zamarian)
16/3/2005