Além dos estrangeiros, fundos nacionais já vendem seus ativos
09/01/2009
SÃO PAULO – Não se trata mais apenas de vendas de ativos brasileiros por parte de investidores estrangeiros interessados em fazer caixa para cobrir perdas sofridas nos EUA e na Europa.
Os mercados domésticos pioraram ontem porque os fundos nacionais resolveram não esperar mais a tormenta passar por si mesma. E decidiram esquecer os fundamentos e operar tecnicamente.
Os investidores institucionais brasileiros mantinham-se, desde que a crise se agravou há uma semana, irredutíveis na aposta de que a turbulência iria se dissipar a qualquer momento. Coerente com este sentimento, sustentavam posições otimistas. Este distanciamento da realidade foi substituído ontem por zeragens de posições em alguns mercados e reduções de outras em vários segmentos. Isso magnificou os reflexos da crise externa sobre os pregões locais.
O dólar oscilou dramaticamente ontem. E fechou em alta de 2,26%, cotado a R$ 2,03, retornando ao patamar que vigorava antes do rompimento do piso de R$ 2,00, no dia 15 de maio. O fraco giro de negócios no interbancário de dólar, de US$ 1,65 bilhão, em queda de 47,5% em relação ao movimento da véspera, denuncia a presença majoritária de investidores locais.
Quando são os estrangeiros a atuar vigorosamente, o giro sobe para espelhar a saída de capital do país. Quando o movimento de queda do dólar futuro é comandado pelos domésticos, não há a necessidade de mandar o dinheiro para fora.
As posições vendidas carregadas por investidores brasileiros na BM&F caíram muito pouco de segunda para terça-feira. Elas se reduziram de US$ 7,85 bilhões para US$ 7,46 bilhões. Acredita-se que tenham sofrido um tombo ontem. Os estrangeiros também diminuíram suas posições líquidas vendidas na BM&F.
Considerando-se os pregões de cupom cambial e dólar futura, as vendas futuras de dólar recuaram de US$ 2,42 bilhões para US$ 1,82 bilhão. Como na terça-feira, ontem o Banco Central não fez leilão de compra de dólares.
Os fundos domésticos parecem ter percebido que se está apenas no começo de um processo que o diretor da Moda Asset, Alexandre Póvoa, chama de “reprecificação mundial originada no aumento generalizado de aversão a risco”. Para o executivo, no caso do mercado brasileiro, a situação estava ainda mais perigosa por causa do posicionamento de grande parte dos fundos locais de “hedge”, que insistiam em manter a compra do chamado kit Brasil – compra de Real, ações e títulos soberanos, além da venda de DI – apesar dos grandes prejuízos.
“Isto significa que, se o clima continuar se deteriorando, muitos players ainda vão enfrentar situações de acionamento de ‘stop loss’, o que pode acelerar o movimento de perdas”, alerta Póvoa. Esse movimento se iniciou ontem, agravando a contaminação dos pregões locais.
Na visão do economista, as cotações dos ativos precisam se ajustar para uma situação de percepção mais elevada de risco. E recomenda, em termos de gestão de recursos, a adoção da estratégia de alta cautela de curto prazo, entendida como redução das posições.
“O nosso ativo de maior fundamento, o Real, está sendo um dos mais afetados neste momento de crise. A razão é simples: a nossa moeda constitui-se em uma das apostas mais comuns em todo o mundo e, na hora do desarme de posições, é a que tende mais sofrer. Em outras palavras, muita gente está comprada em Real, o que torna a posição técnica muito desconfortável”, diz Póvoa.
Os sinais de que os fundos nacionais iniciaram as vendas do kit-BR estavam em todos os pregões. Além da alta do dólar à vista e no futuro, o risco-país subiu 1,52%, para 200 pontos-base, a Bovespa tombou 3,19% e o contrato de juro futuro com vencimento em janeiro de 2010 disparou 0,26 ponto, para 11,72%, pela primeira vez acima da Selic de 11,50%. Há apenas onze pregões, a taxa do CDI prevista por este contrato estava em 11,03%.
Em Wall Street, os mercados tentaram de manhã ensaiar uma recuperação porque os indicadores do dia apontavam a premência técnica, desvinculada de qualquer risco moral, de o Federal Reserve (Fed) reduzir o juro básico, hoje em 5,25%.
O núcleo do índice de preços ao consumidor mostrou alta de 0,2% em julho e a produção industrial subiu apenas 0,3% no mês passado ante 0,6% em junho. Ou seja, desaceleração econômica e inflação contida.
Mas o surgimento de novas instituições em processo de ajustes abortou a retomada. Entre elas, sobressaiu o importante private equity americano KKR Financial. Em Tóquio, o Mitsubishi UFJ Financial anunciou perdas de cerca de 5 bilhões de ienes em produtos securitizados e, na Austrália, o Yield Alpha Fund registrou perdas de 80%.
Fonte:
Valor Econômico
Luiz Sérgio Guimarães