AL precisa crescer para poder pagar suas dívidas
09/01/2009
Crescer no mínimo de 4% a 5% por ano nos próximos anos ajudaria os governos da América Latina a garantir mais apoio de seu próprio povo à execução de reformas e para trazer o endividamento público a níveis prudentes, acredita o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Em um relatório divulgado ontem sobre a região, embora sem reconhecer diretamente erros passados, o Fundo afirma que terá de “focar a agenda na promoção do crescimento”.
A maior decepção advinda das reformas da década de 90 foi o baixo crescimento econômico. Entre 1998 e 2003, o PIB per capita ficou estagnado no Brasil, cresceu apenas 1,3% no México e 1,1% no Chile, e caiu 4,9% na Venezuela e 2,6% na Argentina. A média de crescimento do PIB na região foi de 2,5%, três vezes menor do que a média asiática. “Em 2004, essa taxa dobrou para 5% ou 5,5%. Se for possível sustentar 4% ou 5% nos próximos anos, será uma mudança tremenda, que poderá manter um sentimento positivo e o apoio a reformas”, disse o chefe do Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI, Anoop Singh.
Países como a Índia e China, com taxas de crescimento mais altas, conseguiram reduzir a pobreza, objetivo ainda não realizado na América Latina. O crescimento também é fundamental para melhorar os índices de endividamento público, ainda hoje “acima dos níveis prudentes”, na avaliação do FMI. “O nível de endividamento é expresso em percentual do PIB, e poucos países conseguiram reduzi-lo mexendo só no total da dívida; é preciso focar também no denominador, no PIB. A sustentabilidade da dívida depende tanto, ou até mais, de aumentar o crescimento”, disse Singh.
Apesar da melhora dos resultados externos da região, que levaram à melhor avaliação dos mercados financeiros sobre as dívidas de países emergentes, o FMI acredita que permanece a questão sobre a sustentabilidade futura. Além do tamanho da dívida, o perfil de alta indexação à moeda estrangeira e juros flutuantes é preocupante. “Emissões no exterior em moeda local são uma boa notícia”, disse o representante do FMI no Brasil, Charles Collyns.
As principais reformas que o FMI considera como estímulos ao crescimento nos próximos anos são mudanças da legislação trabalhista e aumento da abertura comercial (maior volume de exportações e importações). O Fundo pretende aumentar o contato com formadores de opinião, tanto no Congresso como na sociedade civil, para aumentar o apoio às reformas. São citados como exemplo sindicatos de funcionários públicos, tradicionalmente opostos a reformas trabalhistas.
O relatório “Estabilização e Reforma na América Latina”, divulgado ontem pelo FMI, também aponta os principais erros cometidos durante a década de 90. Para os técnicos do Fundo, a liberalização financeira, acompanhada da baixa abertura comercial, aumentou a vulnerabilidade externa da América Latina durante as sucessivas crises de mercados emergentes. “A pequena abertura comercial e volatilidade dos fluxos financeiros ampliaram a vulnerabilidade a crises”, diz o relatório. “Fluxos de comércio relativamente concentrados dentro da própria região ajudaram a amplificar e não suavizar os choques externos”, conclui o texto, referindo-se ao aumento do comércio regional depois da criação do Mercosul.
Mas a liberalização da conta corrente e abertura financeira foram medidas expressamente recomendadas pelo FMI durante toda a década de 90, muito mais do que a expansão da atuação comercial dos países. Perguntado sobre o assunto, Singh disse que o relatório não tratava das falhas do FMI porque outro departamento do Fundo, o Internal Evaluation Office (IEO), estuda especificamente erros cometidos pela instituição.
Outra crítica no relatório diz respeito a políticas fiscais pró-cíclicas, como reduções obrigatórias de déficit fiscal ou corte de despesas sociais em meio a recessões – medidas também recomendadas pelo Fundo nos pacotes de ajuda. “Os países devem reduzir a rigidez do orçamento e aperfeiçoar estruturas institucionais para permitir aumento efetivo de gastos sociais em épocas de crise”, disse Singh.
A “agenda pró-crescimento” do FMI, entretanto, não significa a aceitação das idéias para aumentar o investimento em infra-estrutura. O relatório critica a proposta de excluir parte dos gastos de metas de superávit, dizendo que embora a idéia tenha “mérito conceitual”, há “questões práticas a serem consideradas”. “A dívida financeira cria vulnerabilidade, seja usada para despesas correntes ou de capital. Também há dúvidas de como medir qualidade e produtividade do investimento. (…) As PPPs expõem o governo a riscos.”
O secretário do Tesouro, Joaquim Levy, estará amanhã em Washington para discutir a eventual exclusão de R$ 2,5 bilhões em investimentos públicos da meta de superávit do Brasil. O FMI já disse recentemente que se o país não renovar o acordo, o Fundo não daria um “selo de aprovação” à medida.
Valor Economico
9/2/2005