A reboque do Brasil

09/01/2009

Por que o País pode sair ganhando com a crise mundial da indústria automobilística

Por Eduardo Pincigher

GM e Ford correm o risco de pedir concordata. Simples assim. A Volks registrou prejuízos em 2005 e a Fiat cedeu seu controle acionário para bancos credores pela falta de pagamento de empréstimos. Enquanto isso, a Toyota tornou-se a segunda maior montadora do mundo e lucrou US$ 11,1 bilhões ano passado. Parece sintomático: o modelo de produção automotiva em massa, criado pelas montadoras americanas e adotado pelas européias, estaria com os dias contados? Nesse cenário, países emergentes como o Brasil poderiam se projetar? Sim. E muito. As filiais brasileiras dessas marcas em crise já têm contribuído enfaticamente com as matrizes. E os benefícios também voltam-se ao País. De acordo com consultores, cada R$ 1,00 investido por uma montadora gera um reflexo de R$ 2,18 na economia brasileira. Confira:

1 Por que GM e Ford estão em situação tão difícil?
O estopim partiu da agência de classificação de riscos Standard&Poor´s: os títulos das duas maiores corporações automotivas americanas foram reduzidos para junk, ou de alto risco. Semanas antes, a GM anunciara seu maior prejuízo trimestral, de janeiro a março de 2005, dos últimos treze anos: US$ 1,1 bilhão. Não fez prognósticos para o resto do ano e nem descreveu como contornaria a crise. Já a Ford tinha uma boa e três más notícias. A boa: lucro de US$ 1,2 bilhão no trimestre. As más: a cifra foi 38% menor que em 2004, as vendas caíram 5% e a expectativa de fechar 2006 com US$ 7 bilhões de lucro foi adiada. Não se sabe para quando.

2 Como elas conseguirão reverter essa crise?
Qualquer empresa precisa gerar caixa para liqüidar dívidas. A situação de GM e Ford, portanto, inspira cuidados: os utilitários-esportivos, veículos que rendem ótimas margens de lucro (e caixa), estão com vendas em baixa. Devido à concorrência interna, leia-se Toyota, a GM resolveu dar descontos nos preços dos outros carros para retomar volumes. Só que isso reduz margem, lucros e, claro, caixa. A Ford irá atrás. Como agravante, o presidente de honra da Toyota, Hiroshi Okuda, em ato magnânimo (talvez cínico) sugeriu o reajuste dos preços de seus carros nos EUA até que as concorrentes se recuperem. Foi humilhante. A GM alega que está capitalizada e sabe como virar esse jogo. A Ford tenta dissociar-se da imagem da rival, garantindo que o importante é evitar prejuízos.

Fox, da Volks: É mais barato produzir no Brasil e exportá-lo
3 Por que a Volkswagen começou 2005 com maus resultados?
A maior montadora européia registrou prejuízo de US$ 69 milhões no primeiro trimestre. A razão: as vendas caíram 8,1% devido à retração nos EUA (valorização do euro frente ao dólar) e na China, onde houve ação contundente das montadoras rivais. Na Europa, seus volumes mantiveram-se estáveis. Mas o sinal não é nada bom: nos três maiores mercados da companhia, portanto, ela não tem produzido boas notícias.

4 Por que o controle acionário da Fiat foi entregue aos bancos?
O grupo italiano não pagou o empréstimo de US$ 3,6 bilhões que havia contraído em 2002. A conseqüência foi dramática: a família Agnelli, fundadora e majoritária desde 1898, transferiu 8% de suas ações aos credores para quitar a dívida. Afora as pendengas financeiras, que já não são poucas, as vendas deverão cair 6,6% neste ano. Analistas europeus são taxativos para apontar os motivos: a Fiat gastou muita energia no divórcio com a GM. Ela embolsou um cheque de US$ 2 bilhões de multa. Mas deixou de lado uma política mais agressiva de renovação de seus produtos. O consumidor percebeu.

5 Como o Brasil pode ser favorecido com essa situação?
Convocadas pelas matrizes nessa hora de “aperto”, as filiais brasileiras começam a contribuir cada qual a sua maneira. A GM resolveu internacionalizar sua Engenharia. Além de EUA e Europa, o Brasil (e outros dois pólos) vão criar projetos mundiais para a corporação. A elaboração de um novo carro por aqui pode poupar 30% no custo de desenvolvimento de um modelo. Isso representa US$ 300 milhões por veículo. E se projetar é mais barato, produzir nem se fala. A GM vai investir US$ 240 milhões em sua planta de Gravataí (RS) para montar um carro mundial com volume de 90 mil unidades por ano.

6 Por que montadoras européias, como a Volks, estão importando veículos brasileiros para substituir seus próprios carros?
O caso da Volks é emblemático. A missão do Fox será ocupar o segmento de entrada da marca na Europa, com volume previsto de 100 mil unidades anuais de exportação. Crer na capacidade técnica da filial é óbvio. Mas está claro que a Volks alemã tomou essa decisão baseada nas finanças. Construir veículos de baixo valor agregado na Europa, custeados em euros, torna-se cada dia pior. Bernd Pischetsrieder, CEO da Volks, já declarou que o Brasil virou “centro de desenvolvimento de produtos para países emergentes”. Isso quer dizer desenhar e projetar tudo aquilo que será feito na China, além de dar subsídios técnicos para a construção de uma fábrica no Irã que produzirá, veja só, o nosso Gol.

7 Qual a contribuição brasileira nos balanços das matrizes?
A Ford é um ótimo exemplo. A divisão América do Sul, na qual o Brasil arca com 75%, respondeu por 2% do faturamento e 16,4% dos lucros da corporação em 2004. A relevância da unidade brasileira também aparece no sucesso do Ecosport no México. Em outros tempos, o país só se servia de veículos americanos. É emblemático: as barreiras protecionistas à matriz caíram.

8 Por que a Fiat investirá US$ 520 milhões em um projeto destinado à exportação se ela vive se queixando do câmbio desfavorável?
O superintendente Cledorvino Belini, de fato, tinha declarado que reduziria 25% das exportações neste ano. Os desejos e as necessidades da matriz italiana foram soberanos. É simples compreender o porquê: o Brasil possui vantagens energéticas, mão-de-obra qualificada e barata, vasto parque de fornecedores e tecnologia de ponta. Quem não quer pagar tudo isso em reais?

Istoé Dinheiro
23/05/2005