A maioria acha que ele sabia
09/01/2009
A crise começa a erodir a imagem do
presidente. Uma pesquisa da Ipsos-Opinion
mostra que 55% dos brasileiros acreditam
que Lula sabia da corrupção no governo
Se realmente foi informado de tudo e nada fez, o presidente Lula pode se tornar alvo de um processo de impeachment
É um clichê, mas certamente não maior do que o de políticos sendo corrompidos com malas de dinheiro: assim como se dizia a respeito da mulher de César, não basta a um presidente ser honesto. Ele precisa parecer honesto. E, infelizmente, na percepção da maioria dos brasileiros, Luiz Inácio Lula da Silva já começa a não parecer tão honesto ou capaz de garantir a honestidade de seu governo.
A lama da corrupção, na qual soçobrou o Partido dos Trabalhadores, sujou sua imagem. Uma pesquisa feita pelo instituto Ipsos-Opinion mostra que 55% dos brasileiros acreditam que o presidente sabia, sim, do esquema do mensalão, montado por seu partido para pagar políticos da base aliada. Desses, 16% apontam o dedo acusador, num julgamento sumário: Lula não só sabia como estava envolvido. Os outros 39% crêem que, informado sobre o esquema, ele foi omisso.
O dado conflitante que emerge da pesquisa do instituto Ipsos é que, apesar de a maioria acreditar que Lula sabia do esquema, 55% da população afirma que o presidente é honesto. A explicação para esse paradoxo, segundo os pesquisadores, é que parte dos que escolheram a alternativa “Lula sabia, mas não fez nada” simplesmente não tem noção ou parece se esquecer de como a omissão é um grave crime de responsabilidade em se tratando do presidente da República – e, assim, cravam que Lula é honesto. “Para salvar o homem Lula, o eleitor incinerou o Lula presidente”, diz o sociólogo Antônio Lavareda.
A percepção popular negativa, evidentemente, não significa que o presidente seja culpado. O problema, repita-se em outros termos, é ele parecer culpado. A falta de credibilidade que nasce da aparência de culpa não coloca em risco somente o projeto de reeleição de Lula (uma hipótese cada vez mais remota). Ela afeta também a governabilidade, com o perdão da má palavra. Um governo precisa ter a confiança da população para traduzir-se plenamente no verbo governar. É essa confiança que lhe permite muitas vezes adotar medidas duras porém necessárias. É essa confiança que lhe dá força para resistir aos ratos cujo grande projeto é a negociata e o único futuro, o individual – em algum paraíso fiscal.
Diante das denúncias que se avolumam, o que inclui bizarrices como petista sendo preso em aeroporto com dólares na cueca, só um otimista irrecuperável diria que é possível deter a erosão por que passa o governo Lula. Um governo que, mais do que qualquer outro na história recente do Brasil, cometeu o erro de confundir-se com o partido político do qual se originou.
De acordo ainda com a pesquisa do instituto Ipsos-Opinion, o PT, que dava a impressão de ter o monopólio da honestidade, hoje é visto como um partido de larápios. Apenas 36% da população acha que o PT é honesto. E chega a 54% a parcela dos que acreditam que toda, frise-se, toda a cúpula do partido está envolvida em corrupção.
O que inclui o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, que foi o homem mais forte do governo nos primeiros trinta meses da gestão Lula. “Para o eleitor, o PT acabou no sentido de ser um partido diferenciado dos outros”, afirma Carlos Augusto Montenegro, do Ibope.
As desculpas esfarrapadas para os indícios e provas de corrupção que envolvem os petistas somente reforçam que o PT é mesmo um partido igual às mais fisiológicas agremiações da República – ou pior que elas. Ministros que dizem não saber o que faziam seus auxiliares mais próximos, políticos que afirmam ter assinado contratos de empréstimos milionários sem ler (um genuíno Genoíno), líderes de bancada que juram desconhecer o mensalão, para não falar daquela malandragem de dizer que todas as acusações são “golpismo das elites contra o governo operário” (operário ou de operadores?) – todos esses argumentos e justificativas pífios, se não convenciam, agora irritam.
SÓ PALAVRAS
Genoíno tenta explicar na TV por que mentiu ao dizer que Valério não era avalista do PT, mas não convence. Lula larga a crise para se encontrar com Bush na Escócia. As denúncias também corroeram sua imagem internacional
O pior é que fica cada vez mais difícil acreditar que Lula não sabia de nada. Diz-se que o presidente teria tomado conhecimento das denúncias do mensalão em mais de uma ocasião. O deputado Roberto Jefferson afirma que contou tudo a Lula em janeiro. Essa versão foi confirmada pelo ministro de Coordenação Política, Aldo Rebelo. O líder do PTB na Câmara, José Múcio Monteiro, declarou ter presenciado outro relato feito por Jefferson ao presidente. E o governador de Goiás, Marconi Perillo, afirma que relatou a Lula no ano passado o pagamento de mensalão a parlamentares da base do governo.
Será possível que todos estejam mentindo? Sim, é possível. No entanto, se as CPIs em curso no Congresso comprovarem a existência do mensalão e se for provado que o presidente foi informado de tudo, Lula estará numa situação crítica. A omissão, aqui, pode ensejar a abertura de um processo de impeachment.
A crise liquidou o humor de Lula. Seus ministros dizem que o presidente anda deprimido, solitário e, não raro, apático. Seu estado de espírito piorou bastante na semana passada, depois que VEJA revelou que o lobista Marcos Valério Fernandes de Souza havia avalizado e pago um empréstimo feito pelo BMG ao PT. Também não foi reconfortante saber (se é que não sabia) que o patrimônio da antiga empresa de consultoria do ministro da Secretaria de Comunicação do governo, Luiz Gushiken, um de seus amigos mais íntimos, havia crescido 600% na gestão petista.
Para evitar que o ensimesmamento do presidente seja entendido pela população como incapacidade para lidar com a crise, seus assessores o aconselharam a manter a viagem à Escócia, onde participou como convidado do encontro do G8, a reunião dos sete países mais ricos do mundo mais a Rússia, no qual Lula manteve um breve colóquio com o presidente americano, George W. Bush.
Mas até no exterior a imagem do líder brasileiro está arranhada. Seus assessores também vendem a idéia de que o presidente comanda integralmente a reforma ministerial – uma reforma que pretendia conduzir ao Planalto figuras ilustres, como o médico Drauzio Varella e os empresários Antônio Ermírio de Moraes e Abilio Diniz, e que só conseguiu atrair a segunda linha do PMDB.
Os ministros que ficaram com Lula estão divididos entre aqueles que acham que ele deve se preocupar apenas em concluir o mandato e salvar a biografia e os que acham que ele pode sair da crise e conseguir um novo mandato. Entre os que acreditam que a maior tarefa de Lula é controlar a crise e tentar sair não muito chamuscado dela estão os ministros da Fazenda, Antonio Palocci, e da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Nos últimos dias, começou a ter eco em Brasília uma idéia surgida no ninho do PSDB. Por ela, Lula deveria articular uma saída honrosa para desistir da reeleição. O caminho seria aprovar com o apoio dos tucanos uma emenda constitucional eliminando essa alternativa. Por enquanto, Lula não cogita levar o projeto adiante. “Vamos deixar o povo decidir se serei ou não candidato”, disse a um colaborador. O povo que, unido, dificilmente será convencido.
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Edição 1913