A FAO e o pacote agrícola do governo brasileiro

18/07/2008

18 de Julho de 2008 – De 3 a 5 de julho passado a FAO, braço da Organização das Nações Unidas (ONU), encarregado dos temas Agricultura e Alimentação, promoveu em Roma um importantíssimo evento para discutir o complexo tema das "Mudanças Climáticas, energia e alimentos".

Com a participação de chefes de Estado, ministros e representantes de 180 países e mais a União Européia (UE), a ampla discussão, que foi precedida de intensos debates com especialistas do mundo inteiro, girou em torno do problema da segurança alimentar dos mais pobres em relação ao aumento de preços agrícolas, acoplado às questões da agroenergia e do aquecimento global.

E a premissa era a mesma da grande cúpula realizada pela FAO em 1966, que propunha reduzir, até 2015, o número de pessoas subnutridas à metade do que então acontecia. Embora não tenham ocorrido importantes ações de lá para cá, os países presentes à Conferência de Alto Nível de agora reiteraram ser inaceitável que 862 milhões de pessoas, sobretudo nos países em desenvolvimento, continuem mal alimentadas hoje em dia.
Depois de três dias de debates, a conferência culminou com a elaboração de uma declaração, pela qual todos os participantes se comprometeram a assumir a segurança alimentar como política nacional permanente, renovando o compromisso de reduzir a subnutrição mundial.

Nas considerações iniciais do documento, os países afirmaram estarem convencidos de que a comunidade internacional deve tomar medidas urgentes e coordenadas para aqueles objetivos, enfatizando a necessidade de ajudar os mais pobres.
E aí apresentaram um rol de propostas de curto, médio e longo prazos. Estas propostas, tão ambiciosas quanto genéricas, vão desde a solicitação de políticas assistencialistas (doação de alimentos) aos menos favorecidos até a necessidade de cuidados com a biodiversidade e a exploração sustentável de recursos florestais, passando pela demanda de investimentos em tecnologia agrícola, pelo apelo a uma solução rápida para a Rodada de Doha, que permita um comércio mais justo e capaz de estimular a produção agrícola nos países atrasados, pela ampliação dos estoques mundiais e pela produção de biocombustíveis sem concorrer com alimentos. Pode-se dizer que tudo isto é óbvio e que não seria necessário uma enorme conferência para essa conclusão.
O problema, porém, é mais complicado.

A FAO, como órgão da ONU, tem mesmo que conduzir o assunto dessa forma. Mas compete a cada país dar provimento às recomendações, seja com suas políticas públicas internas, seja por meio de acordos internacionais.

E, se isto não acontecer, aí sim é que declarações deste teor ficam inteiramente inócuas. Cada país deve fazer sua parte.
E o Brasil faz a dele? No recente anúncio do Plano Agrícola e Pecuário (PAP) para 2008/09, o governo tomou algumas importantes decisões, como aumentar o crédito para a agricultura familiar e para o agronegócio; embora menor do que o setor privado necessita, foi de acordo com as possibilidades do momento.
No entanto, o fato mais importante do anúncio oficial – e bem de acordo com os pedidos da FAO – foi a fala do presidente da República de que o problema do agronegócio brasileiro passa a ser, doravante, um problema do governo todo, e não apenas do Ministério da Agricultura.

Este é um anúncio da maior relevância, porque a solução dos problemas de agricultura está, em sua maioria, fora da alçada do Ministério Agricultura, Pecuária e Abastecimento ( Mapa). Quem decide o orçamento do Mapa é o Ministério do Planejamento, em conjunção com o da Fazenda; quem define a taxa de juros é o Banco Central (BC), que também cuida da taxa de câmbio; quem resolve logística é o Ministério dos Transportes; acordos internacionais são negociados pelo Itamaraty; as regras do comércio, pelo Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior; as questões ambientais pelo Ministério do Meio Ambiente; as trabalhistas, pelo Ministério do Trabalho; as invasões, pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), e assim por diante. Até mesmo a biotecnologia passa pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).

Portanto, muito bem-vinda esta definição, até porque se enquadra bem no texto da FAO. Transformando-se em realidade, teremos dado um passo extraordinário na formulação de políticas integradas que nos permitirão avançar positivamente neste cenário global que é demandante de produtos agrícolas – alimentos, energia e fibras – e, salvo grandes cataclismos econômicos, seguirá assim ainda por um bom tempo.
kicker: O essencial é que o agronegócio tenha passado a ser problema de todo o governo

Fonte:
Gazeta Mercantil
ROBERTO RODRIGUES* – Coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp, professor de Economia Rural da Unesp (Jaboticabal) e ex-ministro da Agricultura)