Declaração Voluntária de recursos no exterior um caminho percorrível e desejável

23/10/2015

Muito tem se falado a respeito da regularização de capitais brasileiros não declarados, existentes no exterior. A aprovação de uma lei a esse respeito está cada dia mais próxima, especialmente depois que o Poder Executivo encaminhou ao Congresso Nacional um projeto de lei de iniciativa própria para regulamentar o assunto na semana passada.

A aprovação deste projeto de lei é prioridade para o Governo Brasileiro, já que a arrecadação de tributos sobre capitais não declarados ajudaria o Governo a diminuir o déficit fiscal e melhorar as contas públicas. Ao mesmo tempo, permitiria que o Fisco adquirisse informações relevantes sobre a real capacidade econômica de certos contribuintes e sobre as estruturas utilizadas para fins de planejamento tributário e detenção de recursos no exterior.

A importância deste projeto, porém, não está ligada somente a questões de interesse nacional. Na verdade, o Brasil é um entre inúmeros países que já implementaram ou estão implementando medidas para a regularização de capitais não declarados no exterior. Trata-se de uma tendência global, tendo em vista as novas políticas de cooperação internacional e combate à evasão fiscal que já vem sendo discutidas pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (“OCDE”) e pelos países do G20.

Muitas jurisdições vem acabando com as normas que garantiam o segredo bancário para fins fiscais. Nações conhecidas como grandes centros financeiros já assinaram ou estão assinando acordos que permitem a troca de informações automáticas com as autoridades fiscais de outros países, como forma de combater a sonegação. Essas mudanças tornam cada dia mais difícil a manutenção de recursos não declarados no exterior.

O Brasil já assinou uma convenção para a cooperação e troca de informações automáticas com os Estados Unidos da América (acordo conhecido como FATCA – Foreign Account Tax Compliance Act). Além disso, como parte do G20, se comprometeu a implementar umprograma multilateral de troca automática de informações com diversos países, seguindo a recomendação da OCDE e do programa de combate à evasão fiscal conhecido como BEPS- Base Erosion and Profit Shifting.

Através do programa multilateral de troca automática de informações, os países signatários enviarão uns aos outros automaticamente (ou seja, sem que haja nenhum pedido específico ou formal), dados relativos às atividades financeiras de seus residentes no exterior. O acordo está previsto para entrar em vigor já em 2017 ou, ao mais tardar, em 2018.

A própria OCDE recomenda, porém, que os países participantes do programa de troca automática de informações deem uma última chance para que seus residentes declarem recursos ou bens não tributados existentes do exterior, antes que o acordo comece a ser aplicado.

Nesse sentido, as medidas sugeridas pelo Governo Brasileiro vão de encontro às recomendações internacionais.

Muitas foram as razões que levaram à migração de ativos brasileiros para o exterior nas últimas décadas. Instabilidade econômica e cambial, incertezas sobre o futuro do país e planos econômicos frustrados são exemplos de algumas delas. O conceito geral da proposta do Poder Executivo parece, portanto, bem lógico.

Falando de forma concreta, o projeto de lei de iniciativa do Poder Executivo institui o chamado Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), e traz as condições e o procedimento para que as pessoas, físicas e jurídicas, titulares de ativos não declarados no exterior possam declará-los, gozando de alguns benefícios e sem que corram o risco de serem acusadas da prática de crimes em razão de sua conduta anterior.

O processo legislativo terá ainda desdobramentos e o texto será, provavelmente, modificado, mas as bases para a anistia estão lançadas e resta aos interessados prepararem-se para o momento de escolha docaminho a ser seguido.

Para uma análise de riscos bem feita, imprescindível, pois, a compreensão das linhas gerais da proposta. Seguem, de maneira esquemática, alguns pontos centrais daquilo que parece ser o que virá:

Em linhas gerais, estas asregras do jogo.

Como era de se esperar, diversas têm sido as críticas e ponderações acerca do projeto de lei: alta carga tributária, prazo exíguo para a adesão, restrições para a inclusão, extensão da participação das instituições financeiras (que terão responsabilidade direta por verificar a procedência dos recursos), possibilidade de autoincriminação e outras tantas dúvidas que sempre precedem os grandes programas de desoneração.

Tais problemas poderiam ser facilmente resolvidos, tomando-se como exemplo as medidas já implementadas por tantos países que aderiram aos programas de declaração voluntária (também conhecidos como voluntary disclosure). Os detalhes das medidas estrangeiras foram disponibilizados pela OCDE em seu site na internet e, sem dúvida, são de conhecimento dos técnicos que trabalharam na redação do projeto de lei.

De modo geral, seria desejável uma extensão do prazo estabelecido para a adesão, tendo em vista possíveis dificuldades em se reconstruir o histórico de algumas operações, e obter a documentação junto a instituições financeiras no exterior. Uma redução da multa de regularização e da tributação aplicável também seria desejável, de modo a incentivar os contribuintes a aderirem ao projeto, além de maiores esclarecimentos quanto a possíveis conseqüências da auto-incriminação no que se refere a crimes não abrangidos pela norma.

Em que pese o disposto acima, devemos reconhecer que este é um momento único na história do Brasil e é difícil que uma nova oportunidade como esta venha a surgir no futuro, diante das conjunturas políticas e sociais vividas pelo País. O fato é que muito ainda pode mudar até a entrada em vigor dos dispositivos, mas nunca estivemos tão próximos de um efetivo programa de regularização como hoje.

Diante do quadro traçado acima, forçoso concluir que quem estiver mais bem preparado no momento em que o prazo para a adesão começar correr, mais tranqüilidade terá em decidir o caminho a ser seguido e, portanto, fará uma escolha mais acertada.

Isto inclui o acompanhamento próximo das notícias sobre os rumos do Projeto de Lei e, mais do que tudo, uma análise prévia das vantagens e desvantagens do “pacote” oferecido, e um levantamento dos documentos por ventura necessários para a adesão ao programa. Nesse sentido, é importante que o contribuinte recorra a especialistas nas áreas penal e tributária para avaliar sua situação pessoal e traçar uma estratégia de atuação. Quando se trata de apresentar provas capazes de se comprovar a prática de ilícitos passados ao governo e aos órgãos reguladores do país de origem dos recursos todo o cuidado é pouco e não se permitem passos mal dados.

Carlo Lorusso

Contato: clorusso@tesslaw.com.br

Consultor Internacional. Especialista em direito tributário internacional, com vasta experiência em programas de repatriação de recursos não-declarados em parceria com instituições estrangeiras.

Ludmila

Contato: ludmila@ealgadvogados.com.br

Advogada criminalista, mestre em direito penal pela Universidade de São Paulo-USP, com vasta experiência em direito penal empresarial e tributário.