Setores ilustram Brasil que ainda resiste e o que sente crise na pele

27/03/2015

Pelo porto de Itajaí (SC) passam diariamente centenas de contêineres com produtos que variam de carnes congeladas a madeira, de plásticos a produtos agrícolas. Com crescimento estável nos últimos anos, o porto espera aumentar em mais ou menos 1% o volume de cargas movimentadas em 2015.

O complexo portuário abriga 2,5 mil empregos diretos e 11 mil indiretos, sendo o principal motor da economia de Itajaí. Empresas de RH e a prefeitura dizem que a economia continua movimentada e gerando vagas.

A piora no cenário econômico do país tem sido sentida por ali, mas com menos força do que em outros lugares. "Estamos tentando resistir", diz à BBC Brasil o prefeito Jandir Bellini (PP). "Temos diversificação econômica, embora muito vinculada à atividade portuária. O setor acaba mesclando logística, indústria, comércio, pesca, turismo e até a indústria naval petrolífera."

Em contraste, a 900 km dali, no interior de São Paulo, o Sindicato dos Metalúrgicos de Batatais atendia, na última quinta-feira, 42 trabalhadores recém-demitidos das indústrias da cidade, de 60 mil habitantes. Centenas de demissões ocorrem desde o ano passado no setor de metalurgia local, a maioria em fábricas que fornecem autopeças para máquinas agrícolas.

"Os produtores estão sofrendo com a falta de chuvas e de financiamento do BNDES (para comprar o maquinário)", queixa-se Anderson Rodrigo Machado, diretor-tesoureiro do Sindicato dos Metalúrgicos local.

Os dados do PIB nacional de 2014, que serão divulgados pelo IBGE nesta sexta-feira, devem mostrar um país estagnado. Mas os exemplos do porto em Itajaí e dos trabalhadores em Batatais ilustram tanto partes do Brasil que ainda resistem à crise nacional, quanto outras que a sofrem de modo mais agudo.

Itajaí, cidade que hoje concentra a maior parte da riqueza produzida em Santa Catarina, continua escoando uma produção agrícola ainda pujante, além de maquinários e dos já mencionados plástico, carne congelada e madeira. O ramo de transporte e armazenagem, que engloba a atividade portuária, foi um dos que puxaram o leve crescimento do setor de serviços no PIB brasileiro do terceiro trimestre de 2014.

 

Segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários, os portos brasileiros movimentaram 969 bilhões de toneladas no ano passado, um aumento de 4,34% em relação a 2013.

"Exportamos muitos produtos manufaturados e carne congelada (sobretudo suínos e frango), cujas vendas aumentaram no ano passado apesar da crise", afirma Ricardo Arten, diretor-superintendente da APM Terminals, que opera um dos terminais de Itajaí.

Ele ressalta que, por não ser muito dependente da exportação de commodities, o porto é menos sensível à queda da demanda chinesa. "Hoje importamos muita carga da Ásia, mas na exportação os maiores mercados são Oriente Médio, Rússia e Europa."

Sérgio Aquino, consultor especializado na área, diz que o setor portuário recebeu importantes investimentos privados nos últimos anos, ainda que agora tenha de se preparar para investir em competitividade – já que o Brasil tem perdido mercados de exportação.

Para Clemens Nunes, professor da Escola de Economia da FGV-SP, o ramo também se beneficiou de uma maior abertura comercial do Brasil, que elevou seu comércio exterior – ainda que, em muitos casos, as importações tenham superado as exportações.

Itajaí também abriga um polo de serviços, de pesca, de turismo náutico e uma indústria naval voltada ao setor petrolífero. Neste último setor, o pessimismo nacional já respinga por ali: como reflexo da crise na Petrobras, um consórcio de montagem de módulos para plataformas já demitiu 400 funcionários, diz a prefeitura.

"Entramos em 2015 com um horizonte não tão bom, por conta da inflação, da baixa no preço internacional do petróleo e da Petrobras", diz o secretário municipal de Desenvolvimento Econômico, Osman Freire Rebello. "(Mas) somos a segunda cidade do Estado com o maior saldo positivo de geração de emprego. Estamos monitorando para ver se outros setores vão absorver essa mão de obra."

Brasil que vai pior

 

Se o setor de serviços – do comércio às atividades bancárias – ainda aproveita o rescaldo do baixo índice de desemprego e do aumento real dos salários que beneficiou boa parte dos brasileiros nos últimos anos, a indústria vive uma crise mais profunda.

A previsão da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) é de que a indústria nacional sofra um tombo de 4,5% neste ano, por conta do ajuste fiscal do governo, da crise na Petrobras e da menor disponibilidade de crédito.

Ramos como os de construção, infraestrutura e óleo e gás estão entre os que mais devem sofrer. Outro que passa por mau momento é o automotivo.

No ABC Paulista, principal polo do setor, o emprego tem se mantido estável, mas graças a medidas como flexibilização na jornada.

Segundo a Fiesp, o setor industrial paulista demitiu 9,5 mil pessoas em fevereiro – e o ramo que mais perdeu postos (1.912) foi o de veículos automotores, reboques e carrocerias.

"Muitas empresas reduziram as jornadas, mas mesmo assim não estão aguentando. Acabam demitindo. E infelizmente muitos funcionários não conseguem se recolocar no mercado", diz Machado, do Sindicato dos Metalúrgicos de Batatais.

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Isso é resultado direto dos recuos no consumo e no crédito, que provocam um efeito dominó em toda a cadeia produtiva – de montadoras a fábricas de peças. Assim como em Batatais, muitos polos industriais têm vivido demissões ou planos de férias coletivas, suspensões temporárias e planos de demissão voluntária.

Segundo o sindicato das indústrias de autopeças (Sindipeças), o setor recuou em vendas em 2014 e em exportações no primeiro bimestre do ano. Dados de dezembro mostram uma queda de 7,8% no emprego no setor em São Paulo em relação ao mês anterior, e quedas semelhantes ocorreram em outros Estados.

O mercado automotivo também foi prejudicado pela queda de vendas à Argentina, tradicionalmente maior compradora dos veículos produzidos no Brasil, explica Rodrigo Baggi, analista da consultoria Tendências.

"Devemos ter a pior queda de vendas desde 1999, em veículos leves e pesados", prevê Baggi.

 

A crise na indústria em geral deve ser sentida sobretudo no Sudeste brasileiro, diz o analista. "É a região que concentra todos os fatores para uma tempestade perfeita: há uma crise de confiança (do empresariado), somada ao peso da indústria na região, mais as crises hídrica e elétrica."

A valorização do dólar deve dar fôlego ao menos para os exportadores, mas as soluções para a indústria passam por fatores de longo prazo, diz Clemens Nunes, da FGV. "O setor precisa de uma maior integração na cadeia (de comércio) global, algo que não vem de uma hora para outra: envolve melhorar competitividade, qualidade, acesso a investimentos, (além de) melhorias tecnológicas e mais acordos comerciais do Brasil", opina.

O setor de serviços também terá um ano mais difícil do que o de 2014, à medida que as famílias contêm seus gastos e o governo faz ajustes fiscais.

Com tudo isso, diz Nunes, o setor de melhor desempenho neste ano deverá ser o da agricultura voltada à exportação, que obtém vantagens com a alta do dólar e é tradicionalmente competitivo no cenário internacional.

 

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