Programa de estímulo na Europa é grande teste para o BCE

10/03/2015

 

 

O Banco Central Europeu se lançou ontem numa nova era ao iniciar seu imenso programa de compra de títulos de dívida pública, que está sendo visto como um teste crucial da sua capacidade de estimular a debilitada economia europeia.

O estímulo — semelhante aos programas de relaxamento monetário conduzidos nos Estados Unidos mais de seis anos atrás — coincide com uma queda drástica nos preços do petróleo, o que dá um impulso duplo a uma economia que vem penando para se recuperar da recessão de 2009. Ainda assim, alguns investidores se preocupam com a possibilidade de que, como no caso das políticas anteriores do BCE, a instituição esteja agindo tarde demais.

O programa é uma aposta considerável tanto para a economia quanto para o legado do presidente do BCE, Mario Draghi, que teve um papel central e às vezes polêmico na criação da medida, que prevê a compra de mais de 1 trilhão de euros (US$ 1,1 trilhão) em dívida até setembro de 2016.

Se o relaxamento quantitativo for bem-sucedido na tarefa de elevar o crescimento nos 19 países da zona do euro, desde a poderosa Alemanha até as combalidas Grécia e Itália, o banco terá expandido sua alçada para lidar com crises futuras. Mas se ele não conseguir ampliar a atividade econômica ou expuser o BCE a prejuízos que acabarão sendo bancados pelos contribuintes, o programa será visto como uma empreitada de alto risco que ampliou a diferença entre ricos e pobres, agravou as tensões sociais e aliviou a pressão sobre os governos para que resolvam os problemas da região.

Draghi, que está quase na metade do seu mandato de oito anos, demonstrou habilidade para levar o conselho de diretores do banco, hoje com 25 membros, a um consenso sobre medidas como juros negativos, mais de 1 trilhão de euros em empréstimos de longo prazo para bancos e, mais recentemente, o programa de compra de ativos.

Entrevistas com autoridades do BCE e outras pessoas a par das discussões no banco revelam que o presidente incitou outros dirigentes, às vezes irritando alguns, mas acabou garantindo uma grande maioria e limitando a escala das opiniões divergentes.

Os mercados já haviam incorporado aos preços dos ativos grande parte dos efeitos da compra de títulos antes mesmo de ela começar e, ontem, os rendimentos dos papéis caíram em todo o bloco monetário. O euro está no seu nível mais baixo em relação ao dólar nos últimos 11 anos, o que pode ajudar as exportações. Ao mesmo tempo, os rendimentos dos títulos soberanos caíram para valores negativos em muitos países europeus, levando alguns a se perguntar se o BCE vai conseguir encontrar papéis suficientes no mercado para cumprir sua meta de comprar 60 bilhões de euros em títulos por mês ou se perderá dinheiro no processo.

Além disso, países-membros como Itália, França e Grécia enfrentam problemas fora do controle do BCE, incluindo dívidas altas e economias pouco competitivas, que dificultam a canalização do dinheiro do programa para novas atividades empresariais. A taxa de desemprego geral da zona do euro continua acima de 11%.

“Há muita coisa em jogo e um fracasso poderia atingir duramente o BCE”, diz Paul De Grauwe, professor da London School of Economics. “Mas [Draghi] não tinha escolha; ele não podia ficar parado” enquanto outros bancos centrais experimentavam políticas inovadoras.

Comprar títulos de dívida não é proibido pelo BCE, mas o Tratado de Maastricht, que criou a União Europeia, inclui restrições a resgates financeiros que dificultam a compra de dívida e que refletem a aversão a tais medidas por países fiscalmente conservadores, como a Alemanha.

Ainda assim, Draghi se mostrou eficaz em conduzir o BCE além do modelo conservador do banco central da Alemanha, o Bundesbank.

“É sempre uma corda bamba […] Você tem sempre que ver até onde pode ir como presidente do banco central”, principalmente porque as medidas de estímulo se disseminam amplamente através dos mercados financeiros, diz Guntram Wolff, diretor do centro de estudos Bruegel, em Bruxelas. “Ele está se saindo muito bem.”

A trajetória para a compra de ativos ganhou uma urgência maior em agosto de 2014, quando a Europa lutava para evitar sua terceira recessão em cinco anos e a inflação estava bem abaixo da meta do BCE: um pouco menos de 2% ao ano. Draghi alertou que “as expectativas de inflação exibiam declínios significativos em todos os horizontes.”

A frase não pegou tanto quanto sua famosa promessa, feita em 2012, de que o BCE faria “o que for necessário” para salvar o euro, mas os efeitos foram igualmente decisivos para pôr o BCE na rota do relaxamento quantitativo.

Uma pessoa que conhece Draghi o descreve como um formulador de política cauteloso e determinado. Quando parece estar antecipando algumas de suas decisões, ele geralmente já refletiu sobre elas cuidadosamente.

Mesmo desagradando alguns, as táticas de Draghi deram resultado, inclusive ao acertar os ponteiros com o presidente do Bundesbank, Jens Weidmann, sobre a compra de dívida. Os dois divergiram frequentemente quanto às políticas do BCE desde 2012, mas adotaram uma relação muito mais produtiva depois de uma reunião conciliatória no escritório de Draghi, em outubro.

No fim, o relaxamento quantitativo foi aprovado por vasta maioria. Apesar de ter se oposto à medida, com outros membros do BCE, Weidmann conteve suas críticas, em parte porque o BCE concordou em tornar os bancos centrais responsáveis pelos riscos de crédito dos títulos dos seus respectivos países, uma das preocupações do Bundesbank.

Agora, Draghi tem a tarefa de convencer os demais do sucesso do programa. Na semana passada, ele reivindicou algum crédito pela nascente recuperação da Europa, dizendo que “nossa política monetária funcionou”. Mas ele também alertou que um vácuo de liderança na zona do euro está tornando a região cada vez mais dependente do BCE.

“Vocês parecem depositar muita s responsabilidade sobre o BCE”, disse ao trocar farpas com membros do Parlamento Europeu. “Será que política monetária pode gerar crescimento sozinha? A resposta é não.”

(Colaborou Jon Hilsenrath.)

 

Fonte:
The Wall Street Journal