O etanol na conferência de biocombustíveis

19/11/2008

Marcos Sawaya Jank Esta semana São Paulo está sediando uma grande Conferência Internacional sobre Biocombustíveis, organizada pelo governo Lula. Trata-se de um passo fundamental para mostrar ao mundo que os biocombustíveis são uma alternativa de segurança energética, de redução dos gases de efeito estufa e de renda adicional para milhões de agricultores ao redor do planeta.

Quase 3 mil participantes, entre ministros de Energia e Meio Ambiente, parlamentares, ONGs, empresários e trabalhadores, estão reunidos para debater os temas mais atuais da agenda dos biocombustíveis: diversificação da matriz energética, mercado internacional e barreiras comerciais, mudança climática, mudanças no uso de terra, eficiência econômica, responsabilidade ambiental e social, tecnologia e inovação.

Para o setor sucroenergético brasileiro, a conferência chega num momento crucial de forte redução de renda que atinge as usinas, os fornecedores de cana e as indústrias supridoras de insumos, máquinas e equipamentos para o setor. A crise financeira internacional e a falta de liquidez de curto prazo para créditos e investimentos impactam o setor após um ciclo de quatro anos de elevados investimentos e dois anos de preços deprimidos. O Brasil é o maior exportador mundial de açúcar e etanol. São cerca de 400 usinas processadoras, mais de mil indústrias de suporte, 70 mil fornecedores de cana-de-açúcar e geração de quase 1 milhão de empregos diretos. O faturamento do setor sucroenergético em 2007-2008 foi de R$ 42 bilhões e as exportações superaram US$ 6 bilhões (quinto lugar no ranking nacional). O setor situa-se hoje na quarta posição entre os maiores investidores do País: entre 2005 e 2008 foram US$ 20 bilhões e nos próximos quatro anos estariam previstos investimentos adicionais de mais de US$ 30 bilhões.

Ocorre que os fundamentos econômicos do setor sucroenergético brasileiro continuam absolutamente sólidos e apontam para preços remuneradores nos próximos anos, graças à demanda aquecida por carros flex, aos novos usos do etanol na alcoolquímica (bioplásticos), ao crescimento das exportações de açúcar e etanol e à crescente oferta de energia elétrica oriunda da biomassa da cana-de-açúcar.

Os efeitos da crise financeira e da escassez de crédito, contudo, atingiram duramente o setor precisamente no final da safra, um período bastante crítico em que as empresas têm de formar estoques de etanol para cobrir a entressafra, exportar grandes volumes de açúcar e reformar canaviais e plantas industriais antes de iniciar a safra do ano seguinte.

A maior liquidez do sistema financeiro brasileiro e a definição de políticas públicas adequadas terão papel crucial no apoio à travessia dos próximos meses, garantindo a continuidade dos investimentos que estão atingindo o seu período de maturação, a liquidez de capital de giro para a formação de estoques de entressafra e a realização das exportações de açúcar e etanol. É preciso evitar que as empresas vendam açúcar e etanol a qualquer preço para manter o seu capital de giro, o que provocaria um sobreconsumo neste momento e o risco potencial de falta de produto no auge da entressafra.

Além dos impactos da crise financeira, outros temas que estarão em pauta na conferência e que preocupam sobremaneira a indústria sucroenergética são:

A questão do futuro da matriz energética brasileira e mundial, num momento em que os preços do petróleo desabam e que fontes “sujas” de energia elétrica, como o carvão e o óleo combustível, continuam recebendo incentivos. É preciso que haja um claro reconhecimento das externalidades energéticas, sociais e ambientais das diferentes fontes de energia renovável, por meio da definição de políticas públicas que fixem mandatos de mistura e diferenciais tributários que estimulem o seu desenvolvimento.

Na área ambiental, é fundamental defender a idéia de que os biocombustíveis não podem crescer à custa de novos desmatamentos, o que seria uma incoerência diante dos benefícios que estes produtos trazem para o meio ambiente. O zoneamento agroecológico é uma das alternativas para evitar o problema. No caso da cana-de-açúcar, seria importante concluir rapidamente o decreto governamental que vai coibir o avanço da atividade em biomas mais sensíveis, como a floresta amazônica e o Pantanal.

Na área social, o foco deve estar centrado no reconhecimento das empresas que adotam as melhores práticas trabalhistas por meio de processos voluntários de adesão, auditoria e certificação de conformidade, reconhecidos pelo mercado. Faz-se também necessária a adoção de amplos programas de qualificação e recolocação dos trabalhadores que estão sendo deslocados pela crescente mecanização da cana-de-açúcar para trabalharem no setor e em outros segmentos da economia. A mesa de diálogo para aperfeiçoar as condições de trabalho na cana-de-açúcar, lançada formalmente pelo Palácio do Planalto em julho, avançou menos do que gostaríamos, mas tem tudo para produzir resultados concretos nos próximos meses.

A cadeia produtiva sucroenergética é um dos segmentos de maior visibilidade da economia brasileira. O Brasil detém experiência extremamente sólida no uso de energias renováveis e governo e setor privado têm a obrigação de assumir posições de liderança mundial no processo. Exemplos de ações são a valorização de matrizes energéticas limpas, a adoção de metas nacionais de redução de gases de efeito estufa, o esforço de consolidação do etanol como commodity global e atitudes proativas no intenso debate global sobre sustentabilidade socioambiental dos biocombustíveis, além de esforços coordenados de comunicação para derrubar mitos, crenças e falsas generalizações que têm sido divulgadas sobre o setor.

Marcos Sawaya Jank é presidente da União da Indústria
da Cana-de-Açúcar (Unica)

Fonte:
Estado de S.Paulo