‘No Japão, terra dos meus pais, descobri que sou 100% brasileiro’
01/06/2015
Depois de quase oitenta anos, foi a vez dos brasileiros fazerem o caminho inverso. Saíram do Brasil em direção à "terra do sol nascente" com o mesmo espírito dos antepassados que um dia cruzaram os mares. Queriam vencer, de alguma forma, no exterior. O movimento ficou conhecido como decasségui (出稼ぎ, dekasegi), cuja palavra significa, literalmente, sair de sua terra para trabalhar em outro lugar. Hoje, pesquisadores tendem a torcer o nariz para a palavra, pois ela ficou impregnada de conotações negativas e discriminatórias, muito ligada ao trabalho não qualificado. A BBC Brasil publica, ao longo desta semana, uma série especial de reportagens contando a trajetória de vários decasséguis, para marcar os 25 anos da chegada deles ao Japão.
Eu cheguei ao Japão para trabalhar como jornalista em um periódico que circulava na comunidade. Já tinha ido ao país outras duas vezes, apenas para rever a família que morava por lá havia algum tempo. Mas, na terceira vez, a mala foi feita para uma longa estada – já se foram 14 anos. Fui por dois principais motivos: para ficar perto da família e entender melhor as minhas raízes. Queria ver de perto aquela terra que meus avós tanto comentavam e sonhavam poder rever um dia. Meu avô, Torazo Tobace, chegou com a família em 1955 ao Rio de Janeiro e, de lá, eles foram para o interior de São Paulo. O restante dos irmãos e os pais dele haviam imigrado bem antes da Segunda Guerra Mundial. O mais interessante na minha jornada ao Japão foi descobrir minha verdadeira identidade.
No Brasil, é muito comum sermos chamados de japonês e haver uma "pressão" da sociedade para nos comportarmos como um verdadeiro nipônico. Mas no país dos meus pais fui descobrir que sou mesmo 100% brasileiro, pelo meu jeito de pensar, de agir e, claro, pelo meu idioma materno. Pesado, sujo e perigoso. Oficialmente, o movimento de retorno teve início em junho de 1990, com a mudança na legislação de imigração japonesa. A partir daquele ano, os descendentes nipônicos ganharam o direito a um visto temporário de longa estada, que permitiu a atividade econômica no país. Estes pioneiros carregavam na bagagem, além de roupas e mantimentos – enlatados, café, feijão e embutidos para não sentirem saudades da comida brasileira –, muita esperança. Não se importavam com o emprego, desde que ganhassem bem. Afinal, o objetivo da maioria naquela época era juntar uma boa poupança e, no máximo em três anos, voltar ao Brasil. Desempenhavam funções caracterizadas pelos japoneses como três "k" – kitsui (pesado), kitanai (sujo) e kiken (perigoso). Posteriormente, os próprios brasileiros incluíram mais dois adjetivos: kibishi (rígido) e kirai (desagradável).
Passados 25 anos, o cenário mudou bastante. Agora, os brasileiros que chegam ao país não levam mais mantimentos nas malas. Com o crescimento da comunidade, surgiram as lojas de produtos brasileiros, que suprem todas as necessidades. Talvez a principal característica em comum seja a vontade de voltar, um dia, ao Brasil. Porém, o retorno é sempre adiado, e estes imigrantes acabam se tornando permanentemente temporários no Japão. Mas há também uma grande parcela que toma passos concretos para ficar em definitivo no país, como comprar casa própria, buscar o visto permanente ou mesmo a naturalização japonesa. Para os que continuam a fazer a ponte aérea Brasil-Japão, o principal motivo é o econômico, mas há aqueles que já não conseguem mais se readaptar ao país natal.
Adaptação ao país
Confesso que a cultura japonesa não é tão fácil de se assimilar e, mais ainda, de se acostumar. É preciso ter muita paciência para entender tantas regras sociais. Principalmente quando se tem aparência física de japonês mas atitude de brasileiro, que é o meu caso e o da maioria dos conterrâneos. Tanto que, no começo, os problemas decorrentes da chegada dos brasileiros ao Japão se resumiam basicamente a atitudes que demonstravam claramente a falta de conhecimento da cultura e dos hábitos locais. Hoje, estas questões ainda provocam calorosas brigas entre vizinhos, mas os principais problemas são outros. Educação, violência e previdência estão entre os temas mais discutidos nos últimos anos.
Afinal, qual será o futuro das crianças chamadas pelos pesquisadores de "duplamente limitadas" ou "semilíngues", ou seja, que não possuem domínio em nenhum dos idiomas (japonês ou português)? Ou então das que estudam em escola brasileira, com a esperança de voltar ao Brasil para continuar os estudos, e acabam permanecendo no Japão? E aquelas que são educadas como japonesas e crescem em meio a conflitos de identidade? E mais: o que fazer para conter o alto índice de violência na comunidade? E os adultos, que estão envelhecendo e não têm nenhum plano de aposentadoria lá ou no Brasil? Os governos dos dois países batalham para resolver os problemas. A embaixada do Brasil em Tóquio possui inclusive uma seção, chamada Comunidade, inexistente em outras representações brasileiras no mundo.
O diplomata que assume o cargo tem como tarefa principal discutir, na esfera política, assuntos ligados à comunidade brasileira que vive no arquipélago. Em 2010, por exemplo, após anos de negociação, os dois países assinaram um acordo previdenciário.
Fonte: BBC Brasil