Meritocracia aumenta lucros

09/01/2009

Por que as empresas que adotam para valer as práticas da meritocracia são também as mais rentáveis

Germano Lüders
Gemignani, o presidente, com funcionários da Promon: talentos que geram lucros
Por Nelson Blecher e Ana Luiza Herzog

EXAME No grupo aí ao lado há alguns dos profissionais considerados mais estratégicos e talentosos da Promon, empresa de engenharia, criada há 45 anos em São Paulo. São todos donos de ações da companhia e já colocaram no bolso a parte que lhes coube dos 6,7 milhões de reais em bônus distribuídos aos funcionários que atingiram ou excederam suas metas no primeiro semestre de 2005. Outro tanto virá no final do ano. Na condição de acionistas, também receberam dividendos. A Promon encabeça a mais recente lista do guia As Melhores Empresas para Você Trabalhar, publicado por EXAME e Você S/A. A companhia é um caso exemplar de excelência no relacionamento com as pessoas que lá trabalham — uma inusitada mistura de sócios e funcionários. Desde remuneração e benefícios até perspectiva de desenvolvimento profissional e bom ambiente de trabalho, respeito e confiança de seu pessoal, sua pontuação está bem acima da média da maioria das empresas brasileiras. Mas há um quesito no qual a Promon e as nove empresas que escalaram as posições seguintes do ranking tornam-se melhores entre as melhores, à frente das demais 140 classificadas no guia. É a ênfase que conferem à meritocracia — o reconhecimento e a valorização explícita dos melhores funcionários.

Promon 1º lugar
Número de funcionários
641 Setor
Serviços de engenharia Sede
São Paulo (SP)
Práticas de meritocracia
– Distribuição semestral de 33% dos lucros atrelada ao desempenho
– Convite para que funcionários que se destacam participem de projetos da diretoria

Oitenta de cada 100 profissionais que nelas trabalham concordam que todos têm oportunidade de receber um reconhecimento especial. Também consideram justa a participação que recebem nos resultados. Nelas, a politicagem e o favoritismo — identificados como os fatores mais críticos nas empresas desde que o guia foi lançado, em 1997 — estão mais controlados. De acordo com a pesquisa, coordenada pela consultoria Great Place to Work Institute, 73% dos funcionários das dez melhores empresas consideram que as promoções beneficiam as pessoas que mais merecem. Essa crença gera resultados palpáveis. A rentabilidade do patrimônio líquido produzida por esse conjunto de empresas alcançou 26,2%, em média, no ano passado. É cerca de 50% superior ao do conjunto das 150 empresas do guia e mais do que o dobro das 500 maiores empresas do país classificadas pelo anuário Melhores e Maiores.

É formidável que haja no Brasil empresas que, de fato, coloquem em prática a tal meritocracia. O sistema está na base do capitalismo de sucesso. Foram seus genes que forjaram o sonho americano e estimularam as sagas dos empreendedores, de Henry Ford a Steve Jobs. Seu princípio é simples — os melhores precisam ser (bem) recompensados pelo resultado que trazem. E estimulados a continuar dando o melhor de si mesmos. Essa valorização promove a seleção natural, aguça o desejo de fazer melhor e acaba por levar mais longe os mais capazes. A antípoda da meritocracia é o anacrônico paternalismo, com seu cortejo patológico de apadrinhamentos e nepotismo, que já conduziu um número enorme de empresas ao abismo. Pode parecer cruel. Não é. Os verdadeiros talentos precisam ser reconhecidos por uma questão de justiça, de motivação e de preservação de resultados. E, no final das contas, é basicamente de talentos que as melhores empresas são feitas. Jack Welch, ex-presidente mundial da GE, sempre foi um dos mais ferrenhos defensores do mérito nos negócios. “Já vi esse atributo transformar empresas medíocres em notáveis”, afirmou Welch em sua autobiografia, Paixão por Vencer. “É tão justo do ponto de vista moral quanto o mais correto dos sistemas gerenciais.”

Magazine Luiza 8º lugar
Número de funcionários
5 843 Setor
Varejo de eletroeletrônicos Sede
Franca (SP)
Práticas de meritocracia
– Distribuição aos funcionários da loja de 10% do lucro excedente às metas
– Pagamento de até quatro salários anuais de bônus para os gerentes
– Aumento do percentual de comissão a cada meta atingida

Instaurar um regime meritocrático é algo complexo — e talvez isso explique por que um número tão pequeno de empresas brasileiras siga esse caminho. “Trata-se de um dos pontos vulneráveis que hoje expõem a competitividade do país”, diz Amaury de Souza, diretor da Techne, consultoria especializada em recursos humanos. “Os processos de remuneração seguem procedimentos superados, privilegiando a posição hierárquica e o tempo de serviço.” Segundo ele, os sistemas implantados na maioria das empresas falham na avaliação ou simplesmente não reconhecem as diferenças individuais. Isso ficou patente num levantamento mundial conduzido pelo instituto americano International Survey Research, de Chicago, do qual a Techne é associada. O grau de satisfação dos empregados brasileiros em itens como feedback e avaliação sobre desempenho no trabalho é bem inferior ao dos colegas americanos, ingleses e até de Cingapura. Detalhe: foram ouvidos somente funcionários das 500 maiores empresas brasileiras.

“As empresas ganham quando seus executivos estabelecem distinções claras e inequívocas entre os negócios e as pessoas de alto e baixo desempenho, quando cultivam os fortes e extirpam os fracos”, diz Welch. Sob sua gestão, os gerentes da GE passaram a avaliar e classificar os subordinados em três categorias em termos de desempenho — os 20% superiores, os 70% intermediários e os 10% inferiores. O primeiro grupo, segundo ele, torna-se merecedor de uma “chuva” de bônus e opções de ações, elogios, amor, treinamento e uma ampla variedade de recompensas “que inflam o bolso e a alma”. Ao último grupo, está reservada a porta da rua. A eficácia lógica do sistema darwinista da GE se revela quando Welch trata do maior grupo — os 70% que formam o escalão intermediário. Nenhuma empresa, segundo ele, pode dispensar a energia e o comprometimento dessa maioria. O que se deve fazer é concentrar as atenções e treinar com afinco as pessoas com potencial para ingressar no nível superior.

Na Promon, cuja peculiaridade consiste em ter 75% dos 641 funcionários como acionistas, a tarefa de identificar e zelar pela carreira dos profissionais com alto potencial cabe ao presidente, Luiz Ernesto Gemignani. “Administro uma lista com 50 nomes na faixa de 25 a 35 anos”, diz. Eles foram apontados pelo chefe imediato ou por receberem elogios de clientes ou por terem se destacado na sessão do Mastigando Idéias, um workshop seguido de lanche realizado no horário do almoço protagonizado por funcionários que expõem suas idéias e soluções encontradas no trabalho. Um desses jovens é o engenheiro Marcio Zapater, de 24 anos. Na empresa há três anos e meio, Zapater, que se graduou em primeiro lugar de sua turma na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, já recebeu dois aumentos salariais, cada um de 15%, em média. “Fui chamado à sala do presidente algumas vezes, e nunca meu chefe se perturbou com isso”, afirma. Na época de reajustes salariais, se o nome de um dos jovens promissores não está na lista, o chefe é imediatamente acionado por Gemignani para justificar a ausência.

As 10 Melhores Empresas para trabalhar
As companhias no topo do ranking em 2005
1º Promon
2º Todeschini
3º Credicard
4º Randon
5º Zanzini
6º Landis+Gyr
7º Serasa
8º Magazine Luiza
9º Multibrás Amazônia
10º DPaschoal

Essa transparência também se revela numa prática lá chamada de autoproposição salarial. O portal de recursos humanos da Promon divulga os valores de cada faixa salarial e pesquisas de remuneração feitas por consultorias. Se um funcionário estiver insatisfeito com o salário, tem a chance de propor uma renegociação — algo inimaginável na maioria das empresas brasileiras. “Não queremos perder gente promissora em razão de salário inadequado”, diz Gemignani. Todos na Promon são submetidos à avaliação de performance. Os profissionais é que escolhem seus avaliadores e têm acesso aos resultados. O sistema é muito semelhante ao adotado pela Credicard, emissora de cartão de crédito e terceira colocada no ranking do guia. A nota obtida pelo funcionário — que vai ajudar a determinar sua carreira e seus ganhos — é resultado não apenas do chefe, mas de uma avaliação de um colegiado, do qual ele também participa. “É assim que impedimos que os profissionais fiquem expostos a qualquer tipo de injustiça ou proteção”, diz Lício Nogueira, diretor de recursos humanos.

Empresas como Credicard e Promon optaram pela meritocracia quando entende ram que seu crescimento dependia da capacidade de ter com elas os profissionais mais preparados. O que move a Promon são inovações, só obtidas com profissionais especializados, com capacitação acima da média nas áreas de engenharia e telecom. Quatro deles cursam hoje MBA e mestrado no exterior, com as despesas pagas pela empresa — um sinal de reconhecimento. Juntam-se a outros 65 funcionários que nos últimos três anos estudaram nos Estados Unidos. A Credicard está encravada no setor financeiro, conhecido por sua competitividade e pela remuneração variável agressiva que oferece a seus talentos. A empresa emprega mão-de-obra cobiçada pelos rivais: jovem, de bom nível social e muito bem formada. “É gente ávida por aprender, inovar, testar”, afirma Nogueira. “E também disposta a abandonar o barco se não se sentir desafiada e devidamente recompensada por um bom desempenho.”

Esse é um discurso que vale para todas as empresas, mas cuja prática ainda é incipiente no Brasil. Os prêmios por reconhecimento individual ou para a equipe, por exemplo, raramente chegam à base do negócio. Todos os funcionários são tratados como iguais — embora evidentemente uns sejam melhores naquela função do que outros. Uma pesquisa feita pela Hewitt, consultoria de recursos humanos, mostrou que somente metade das empresas avalia o desempenho individual. O alvo são apenas executivos, e pouco mais de um terço das empresas estabelece prêmios pelos resultados atingidos. Segundo o levantamento, apenas 18% das companhias possuem programas destinados ao nível operacional. “Só agora grande número de empresas planeja modernizar seus sistemas de avaliação de desempenho”, diz Carlo Hauschild, diretor da consultoria Hewitt. “Querem rever seus programas de remuneração variável para que fiquem atrelados às suas metas.” Será inevitável, com isso, contemplar a base.

Uma empresa nos Estados Unidos levou ao extremo essa preocupação e rapidamente se tornou a mais bem-sucedida de seu setor. Os executivos da Southwest recebem salários cerca de 30% inferiores, em média, que os profissionais de outras companhias aéreas. São compensados com opções de ações, que dependem do resultado da empresa. Pilotos, comissários e funcionários nos aeroportos, por sua vez, ganham salários acima da média do setor. O pressuposto disso é que, para colocar o cliente em primeiro lugar, é preciso não deixar o pessoal da linha de frente em segundo. Outra empresa americana que se guia por esse lema é a Home Depot, líder no varejo de produtos para o lar. Com quase 2 000 lojas nos Estados Unidos, Canadá e México, a Home Depot emprega 292 000 funcionários. Em 2002, a empresa deu a partida num programa batizado Dividindo o Sucesso, que distribui, a cada semestre, uma parte dos lucros às lojas que superaram suas metas de vendas. Seus funcionários recebem bônus proporcionais às vendas realizadas. No primeiro semestre do ano passado foram destinados ao programa 30 milhões de dólares, quase o dobro do mesmo período do ano anterior. Os cheques gigantes são assinados pessoalmente por Bob Nardelli, o presidente mundial da Home Depot.

Entre as dez melhores empresas para trabalhar no Brasil, a empresa com o sistema mais parecido ao da Home Depot é o Magazine Luiza, rede de varejo de móveis e eletroeletrônicos com sede em Franca, no interior de São Paulo. Seu sistema identifica e reconhece as lojas com melhor desempenho ao longo do ano. Como prêmio, 10% do excedente do lucro planejado volta para os funcionários. No ano passado, a loja da rede em Franca foi uma das vencedoras e ganhou 42 000 reais. Seu gerente, Matias Alves Taveira, ficou com 7 000 reais. O restante foi dividido entre 70% dos 126 funcionários da unidade que mais contribuíram para o resultado.

Para tornar visíveis os mais promissores entre seus 5 843 funcionários, o Magazine Luiza vale-se de uma prática inusitada. O funcionário do mês é escolhido por um processo eleitoral em que todos votam. Para começar, ele deve candidatar-se ou ser indicado pelo chefe. Cada candidato tem até 2 minutos para justificar seu pleito perante os colegas. Ainda que seja o favorito do chefe, só vai para o mural como destaque do mês, com direito a foto, quem tiver coragem de dizer que merece e explicar as razões. “Os brasileiros têm vergonha de dizer que são bons”, afirma a empresária Luiza Helena Trajano, presidente do Magazine Luiza. “Desde criança se acostumaram a achar constrangedor ser o melhor, o CDF da classe, o que senta na frente.”

A antropóloga carioca Livia Barbosa tem uma explicação para esse comportamento. Segundo afirma, a idéia do triunfo pessoal sobre o grupo, tão cara aos americanos, não vingou na cultura brasileira. Ao contrário, quem dele se desgarra em busca de afirmação e sucesso pessoal fica malvisto. “No Brasil, as diferenças individuais jamais foram legitimadas como critério para definir o sucesso”, diz Livia. Já entre os americanos é forte a crença na igualdade de oportunidades. A avaliação e o conseqüente reconhecimento independem das condições sociais. Comparam-se resultados. “É por isso que, nos Estados Unidos, ninguém questiona a meritocracia”, diz Livia. Esse travo cultural não é uma exclusividade nacional. Jack Welch revela em suas memórias que precisou vencer resistências para implantar o sistema de diferenciação nas filiais da GE em países como Japão, França, Holanda e China. “As desculpas que ouvimos sobre os obstáculos culturais não passam disso — desculpas”, diz ele. “A diferenciação, uma vez em prática, justifica-se em qualquer língua.”

Landis+Gyr 6º lugar
Número de funcionários
257 Setor
Indústria de equipamentos Sede
Curitiba (PR)
Práticas de meritocracia
– O desempenho individual é responsável por 30% da remuneração variável dos gerentes
– Prêmios em dinheiro para os funcionários com idéias aprovadas para aumentar a produtividade e/ou reduzir custos

Quando se fala em recompensa, o dinheiro vem em primeiro lugar. Para as empresas, essa é sem dúvida a moeda forte na troca por motivação e comprometimento dos funcionários. Mas atenção: só dinheiro não basta para gerar entusiasmo e bom desempenho prolongados. É preciso expressar o reconhecimento com todas as letras e, melhor ainda, publicamente. Um estudo em que foram entrevistados 2,5 milhões de funcionários de 237 companhias nos Estados Unidos, no Canadá, na Europa e na América Latina demoliu alguns mitos a respeito de compensação financeira e motivação no trabalho. Segundo o estudo, coordenado por David Sirota, especialista americano em melhoria de desempenho, tão importante quanto o salário e os benefícios é executar bem uma tarefa e orgulhar-se do reconhecimento. É nesse ponto que as empresas mundo afora estão falhando. O levantamento concluiu que somente metade dos entrevistados se declara satisfeita com o reconhecimento que recebe depois de uma tarefa bem realizada. Se não fosse tão importante, não haveria uma gama de premiações, cujos símbolos mais expressivos são o Nobel e o Oscar, solenidades transmitidas mundialmente pela TV. Ficou claro, no estudo, que a recompensa monetária deve sempre vir acompanhada de reconhecimento. Tapinha nas costas e elogios são indispensáveis. “Uma pessoa pode suportar infinitos elogios”, ironizou Sigmund Freud, pai da psicanálise. Estudiosos do tema, assim como líderes de empresas bem-sucedidas, são unânimes em afirmar que esses mimos são quase tão importantes para empurrar os profissionais rumo aos resultados quanto o dinheiro. “O que a gente sempre diz é que o dinheiro enche o bolso do funcionário, mas essas práticas enchem a alma”, afirma Luiza Helena, do Magazine Luiza. Vendedores que superam a cota de vendas em 10% vêem a comissão subir também 10%. Prêmios em dinheiro são atrelados à meta de cada funcionário, de cada loja e da rede como um todo. Mas os merecedores de destaque também ganham salva de palmas em eventos da empresa e até outdoor com foto na cidade onde moram. “Aqueles que contribuem para o sucesso da organização devem ser elogiados, e seus feitos ressaltados, para que sirvam de exemplo aos demais”, prega o consultor Roberto Shinyashiki. Pelo que se vê, as empresas brasileiras começam a se dar conta disso.

Fonte:
Portal Exame
Com reportagem de Suzana Naiditch