Itália estuda dificultar processo de cidadania

02/07/2008

O conhecimento da língua e noções básicas da Constituição são algumas das condições que o governo italiano estuda exigir para dar cidadania a descendentes de italianos, segundo um funcionário do Ministério do Exterior da Itália. Em entrevista ao jornal argentino Clarín, Alfredo Mantica, secretário do Ministério para assuntos ligados aos italianos no exterior, confirmou que o governo liderado pelo conservador Silvio Berlusconi tem a intenção de adotar normas mais restritivas para a concessão da cidadania.

Essa possibilidade já tinha sido levada em consideração pelo governo anterior, de Romano Prodi.

"Não queremos afetar os direitos dos descendentes de italianos, mas a cidadania deve ser muito mais do que um simples reconhecimento ou ato administrativo", afirmou Mantica, do partido Aliança Nacional, pouco antes de embarcar para a América do Sul, na segunda-feira.

Em visita a Buenos Aires e São Paulo, onde chega nesta quinta feira, Alfredo Mantica deve tratar, entre outras coisas, dos atrasos nos milhares de processos em curso para obter a cidadania.

Mantica disse ao jornal argentino que o pedido de cidadania deveria ser complementado com "cursos de formação para conhecer a língua e a Constituição italianas e os princípios fundamentais da nossa democracia".

Cidadania 'instrumental'
Segundo o Clarín, o secretário teria feito referência ao uso "instrumental" da cidadania. Muitos pediriam o passaporte para ter acesso a outros países da União Européia ou para conseguir mais facilmente o visto para os Estados Unidos.

O representante da Argentina no Parlamento italiano, Ricardo Merlo, eleito no grupo misto da Câmara dos Deputados, se disse "totalmente contrário" à obrigatoriedade de conhecer a língua italiana para ter a cidadania.

Ele é um dos 18 parlamentares, 16 deputados e 6 senadores eleitos pelos italianos que vivem no exterior.

"Não é justo, a cidadania é um direito constitucional que devemos defender sem condições. Temos direito de sangue, reconhecido. Conheço italianos que não falam italiano, como os que moram na região do sul do Tirol, que falam dialeto austríaco. Não há discussão", disse Merlo à BBC Brasil.

Já o único representante do Brasil no Parlamento italiano, Fabio Porta, eleito pelo Partido Democrata, de centro-esquerda, é mais favorável ao conhecimento do idioma italiano para conseguir o passaporte.

"A cidadania tem que ser ligada a um interesse real de adquirir os próprios valores, língua e cultura, mas isso sem mudar a lei que concede a cidadania", disse Porta à BBC Brasil.

Lei atual
No entanto, o parlamentar, que vive no Brasil desde 1995, considera "grave" qualquer modificação da atual lei da cidadania, aprovada em 1992.

A legislação se baseia na transmissão da descendência por parte de pai a todas as gerações, sem restrições. Já do lado materno, a nacionalidade é restrita a quem nasceu depois de 1948, quando a Itália igualou direitos de homens e mulheres.

"Espero que ele (Alfredo Mantica) não tenha a idéia de mudar a lei porque seria grave, além do governo cortar a verba para os italianos no exterior. A lei é uma grande oportunidade para a internacionalização da Itália", disse.

Na avaliação de Ricardo Merlo, existe uma tentativa de mudar a lei atual. "Há um partido no Parlamento que quer mudar a lei para limitar a concessão da cidadania, mas vamos nos opor duramente a isso porque nos parece contra a Constituição", afirmou.

Segundo informações da embaixada da Itália em Brasília, em todo o Brasil há cerca de 500 mil descendentes de italianos à espera do passaporte.

Pressão
"Há uma pressão muito forte. Só em São Paulo, são potencialmente 5 milhões de cidadãos italianos, nem mesmo a população de Milão chega a essas cifras", disse à BBC Brasil um porta-voz do Ministério do Exterior italiano.

"Em todo o Brasil, há mais de 20 milhões de descendentes de italianos. É difícil cuidar de todos esses pedidos de cidadania. Não queremos agir de forma rápida e superficial, com uma política de fechamento, mas começamos uma discussão do problema que deve ser resolvido no interesse de todos", afirmou o funcionário.

O porta-voz do Ministério explicou que qualquer modificação da lei em vigor deve passar pela aprovação do Parlamento.

De acordo com o Ministério, ainda não há uma proposta de lei, apenas uma discussão que deve envolver representantes das comunidades locais e os 18 parlamentares eleitos pelos italianos no exterior.

Segundo Fabio Porta, falar em 5 milhões de potenciais cidadãos italianos é uma maneira "equivocada" de colocar o problema.

"Esses números são usados como alarmismo e terrorismo porque não são reais. O processo para obter a cidadania é complicado e a grande maioria nem tem condições de conseguir a documentação necessária", disse Porta.

Fonte:
Último Segundo