Governo dos EUA recorre à sua mais antiga tática: imprimir dinheiro
30/09/2008
Sem o plano abrangente de resgate financeiro que inventaram e defenderam com ardor, as duas agências são mais uma vez obrigadas a lidar com uma crise atrás da outra, e a usar todos os instrumentos a seu dispor para socorrer o sistema financeiro global. Antes mesmo que o Congresso dos Estados Unidos tivesse surpreendido o mundo na segunda-feira ao rejeitar o pacote de resgate financeiro elaborado pelo governo Bush, o Fed já recorria à tática mais antiga da sua cartilha: imprimir dinheiro.
Com os mercados financeiros de todo o mundo sendo tomados pelo medo, na segunda-feira o Fed anunciou que forneceria uma quantia extra de US$ 150 bilhões por meio de um programa emergencial de empréstimo a bancos, e mais US$ 310 bilhões através das chamadas linhas de crédito recíproco (swap lines) com bancos centrais estrangeiros para ajudar mercados da Europa e da Ásia.
Foi uma demonstração extraordinária de poder financeiro. Essa demonstração refletiu a novo e intenso receio no Fed e nos bancos centrais de todo o mundo de que a crise de confiança nos mercados financeiros dos Estados Unidos tivesse se espalhado como uma metástase pelos mercados de todo o planeta.
Essas cifras somaram-se aos US$ 230 bilhões que o Fed tomou emprestado na semana passada para poder financiar as suas tentativas anteriores de salvar o American International Group (AIG) e outras instituições.
Mas estes são apenas os mais recentes de uma longa série de desvios impressionantes adotados pelo Fed neste ano em relação à política econômica normal, à medida que a instituição tentava injetar uma vasta quantidade de capital no sistema financeiro. E, provavelmente, tais desvios não foram os últimos .
Ainda que o Congresso se recuse a aprovar o pacote, existe mais dinheiro no lugar de onde aquelas outras somas vieram. O Departamento do Tesouro já criou uma série de securities "suplementares" para financiar as atividades do Fed, e não existe um limite para a quantidade que ele pode emitir e vender.
Após a votação da Câmara na segunda-feira, autoridades do Tesouro e do Fed deixaram claro que ainda contam com uma ampla gama de recursos a sua disposição.
Mas a maior parte das opções restantes é de natureza ad hoc, e não sistêmica. O Fed, por exemplo, pode emprestar dinheiro a qualquer companhia cujo fracasso ele considere muito perigoso, invocando a mesma legislação da era da Grande Depressão que já foi utilizada no caso de firmas fracassadas com o Bear Stearns e AIG.
Enquanto isso, o Departamento do Tesouro já se comprometeu a comprar bilhões de dólares em securities lastreadas em hipotecas, lançando mão da autoridade que recebeu com a legislação da moradia, que o Congresso aprovou no último verão.
A má notícia é que essas tentativas pouco ou nada contribuíram para aumentar a confiança nos mercados financeiros. Os rendimentos com títulos do Tesouro de três meses reduziram-se a apenas 0,29% na segunda-feira, indicando que os investidores estão fugindo de qualquer tipo de risco, mesmo que isso signifique um retorno bem menor do que a taxa de inflação.
As taxas para empréstimos entre bancos subiram para novos patamares na segunda-feira, já que os bancos passaram a temer ainda mais do que na semana passada emprestar uns aos outros.
"As medidas de liquidez são um paliativo", critica Laurence H. Meyer, vice-diretor da firma de previsão financeira Macroeconomic Advisers. "Estão financiando as folhas de balanço dos bancos, mas ninguém quer emprestar dinheiro a eles porque todos têm medo da insolvência".
Autoridades do governo ficaram chocadas com o fato de os parlamentares terem se recusado a aprovar o plano de socorro, que teria autorizado o Tesouro a comprar até US$ 700 bilhões em papéis vinculados a hipotecas. Esses papéis são difíceis, ou mesmo impossíveis, de se vender.
Mas autoridades do Tesouro e da Casa Branca ainda esperam salvar o plano nesta semana, oferecendo algumas modificações que acalmariam deputados republicanos rebelados sem que isso implicasse na perda dos cruciais votos democratas.
"Precisamos reapresentar algo que funcione", disse o secretário do Tesouro, Henry M. Paulson Jr., que trabalhou incansavelmente durante dias para costurar um pacto com democratas e republicanos. Embora Paulson tenha prometido "usar todos os dispositivos disponíveis para proteger o nosso sistema financeiro", ele advertiu que "a nossa caixa de ferramentas é substancial, mas insuficiente".
Na falta de uma autoridade mais ampla, as autoridades do Tesouro estão revendo as opções para recorrer criativamente aos mesmos tipos de ações aplicadas a cada caso individual que foram tomadas nos últimos seis meses: assumir o Fannie Mae e o Freddie Mac, as companhias de financiamento de hipotecas patrocinadas pelo governo, e fornecer a elas até US$ 200 bilhões em empréstimos; resgatar o AIG e emprestar até US$ 85 bilhões à empresa; e promover alianças costuradas às pressas entre instituições falidas e saudáveis.
Robert Dye, economista graduado do PNC Financial em Pittsburgh, diz que tais esforços constituem-se em remendos que até agora não conseguiram trazer a confiança de volta aos mercados de crédito.
"O problema é que estas são soluções ad hoc aplicadas a empresas individuais, e elas não estão combatendo os problemas sistêmicos de forma básica", opina Dye.
Mas outros analistas observam que mercados de crédito de todo o mundo também estavam quase que totalmente caóticos na manhã da segunda-feira, quando tanto líderes políticos quanto investidores acreditavam que o Congresso tinha chegado a um acordo sólido e aprovaria facilmente o pacote.
"Acreditamos que, sob um aspecto fundamental, este pacote não resolverá o problema", afirma Simon Johnson, ex-economista graduado do Fundo Monetário Internacional (FMI). Johnson diz que esperava que o plano de resgate financeiro simplesmente estabilizasse os mercados até as eleições presidenciais de novembro, mas frisa que agora está pessimista até quanto a isso.
"Faltam 36 dias para a eleição", disse Johnson. "Não tenho a menor idéia de como atravessaremos estes 36 dias".
Michael Darda, economista do MKM Partners, uma firma de investimento em Greenwich, no Estado de Connecticut, disse que o plano do Tesouro pode ter enervado muitos investidores.
"Não vejo como isso possa ajudar os bancos, a menos que fique claro que o governo comprará esses ativos por um preço substancialmente maior do que o valor atual desses papéis", afirmou Darda. "Trata-se de uma enorme iniciativa para a influência do governo no setor privado, e para os investidores é difícil dar um salto desses da noite para o dia, especialmente quando eles não sabem o que está se passando".
Uol Economia