Fragilidade do Mercosul pesou no fracasso

09/01/2009

Especialistas de Brasil e Argentina estão atribuindo às inconsistência do Mercosul uma parcela da culpa pelo fracasso das negociações com a União Européia.

Às vésperas da comemoração de 10 anos do Tratado de Ouro Preto, em 17 de dezembro, há dúvidas sobre o futuro do bloco por conta do impasse nas negociações bilaterais e dos recentes conflitos entre brasileiros e argentinos.

São muitas as dificuldades apontadas: fragilidade técnica das instituições, imperfeições na área de livre comércio, falta de harmonização política e má distribuição das cadeias produtivas. Os especialistas acreditam que é preciso remover esses entraves e recuperar o espírito político positivo criado pela adoção de regimes de câmbio flutuante no Brasil e na Argentina e pela posse dos presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Nestor Kirchner.

Para o ex-subsecretário de comércio exterior da Argentina e diretor do Instituto de Comércio Internacional da Fundação BankBoston, Félix Peña, faltam ao Mercosul instituições que atuem ativamente nas negociações internacionais e na solução de conflitos internos.

“O Mercosul tem muita dificuldade para administrar conflitos”, diz Penã, que participou ontem do 1º Fórum Permanente de Diálogo Argentino-Brasileiro, em São Paulo. “Tudo é levado diretamente aos ministros e se transforma em crise política”, observou. O especialista acredita que a secretaria técnica do Mercosul deveria ter um papel mais relevante nas negociações internacionais.

Na avaliação de Marcos Jank, diretor do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), que é financiado por entidades do agronegócio brasileiro, “os mecanismos atuais do Mercosul não produzem ofertas decentes”. Ele se refere ao fato de que, nas negociações internacionais, é adotada a pior oferta apresentada pelos países do bloco para cada setor. E como as sensibilidades de Brasil e Argentina estão em setores distintos, o bloco piorou a oferta mais recente entregue à UE.

“É preciso parar de fingir que somos uma área de livre comércio”, criticou Jank, mencionando que muitos produtos importados pagam tarifa ao circular dentro do Mercosul. Também falta ao bloco, por exemplo, um tratado sobre trânsito marítimo. Ambos os pontos geraram fortes reclamações dos europeus.

Jank é contra a adoção de um mecanismo de salvaguardas dentro do Mercosul, uma antiga proposta que a Argentina tenta ressuscitar, porque essas “perfurações enfraquecem o bloco”.

Peña pondera que os conflitos do Mercosul em áreas como têxteis, calçados e eletrodomésticos resultam da falta de integração produtiva dos países. “No início, a idéia é que seria um acordo de ganha-ganha”, ressalta. Para Jank, “é necessário uma regra do jogo estável”, caso contrário, as indústrias não conseguirão organizar seus investimentos em cada país.

Os dois especialistas não atribuem apenas ao Mercosul o ônus do adiamento das negociações da UE, que agora não tem data para terminar. Segundo Jank, o principal motivo do fracasso do acordo foi a dificuldade do ministro de Comércio da UE, Pascal Lamy, para melhorar a oferta agrícola. Como deixa o cargo em 31 de outubro, o comissário estaria sob forte pressão dos países-membros.

Peña atribui a aparente falta de interesse dos europeus no acordo com o Mercosul à paralisação das negociações do Acordo de Livre Comércio das Américas (Alca). Para o especialista, a oferta dos europeus também não leva em consideração a disparidade econômica entre os dois blocos. “A UE não adotou uma política de apoio ao Mercosul. Ficou na retórica”.

Valor Online 22/10/2004