Disparada do álcool faz custos de empresas crescerem até 50%

09/01/2009

Manter frota nas ruas pode levar companhias a negociar preços com postos e repassar custos a clientes

Lia LubamboColheita de lavoura de cana-de-açúcarPor Larissa Santana
EXAME Se álcool fosse uma aplicação, os investidores que optassem por ele estariam comemorando uma valorização de quase 50% nos últimos sete meses. A rentabilidade supera a do Ibovespa (de 27,7%), o principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo, e fica próxima da apresentada pelas ações ordinárias da Petrobras (58,8%) em todo o ano de 2005. Azar dos brasileiros, para quem a alta do combustível representou não ganhos, e sim perdas, que vêm se refletindo em gastos até 50% maiores às empresas em apenas sete meses.

O alarde maior veio em janeiro de 2006, quando a escalada do álcool aumentou o ritmo para o patamar de 1,7 real o litro por conta da entressafra que, para a região centro-sul (que compreende sudeste, sul e centro-oeste), principal produtora da cana-de-açúcar, começa em janeiro e termina em abril. Mas quem precisa colocar centenas de carros nas ruas para realizar o trabalho diário sabe que a disparada de preços já vinha de antes. Hélio Netto, diretor comercial da locadora Hertz, incorpora mensalmente entre 500 e 600 veículos novos bicombustíveis à frota que gerencia, que no total chega a aproximadamente 11 mil. Só para abastecer os carros novos, o gasto girava em torno de 30 mil reais em setembro de 2005. Em fevereiro de 2006, esse gasto passou a 46 mil, com um crescimento de 53%.

O prejuízo que o álcool mais caro está dando à Hertz só não é maior porque quem abastece os veículos durante as locações é o locatário. O cliente, também prejudicado, conta pelo menos com uma proteção: “Nada desse custo de abastecimento inicial será repassado às tarifas aos clientes”, diz Netto. Os veículos da locadora devem continuar usando o álcool até que a relação custo-benefício não lhe seja mais eficiente – ou seja, quando o preço ultrapassar 70% do da gasolina.

Negociação com postos e clientes

Nas contas da Agência Nacional do Petróleo (ANP), isso já aconteceu. O último levantamento de preços realizado pela agência mostrou preço médio do litro do álcool de 1,879 real, 74% do da gasolina (2,536 reais), entre os dias 26 de fevereiro e 4 de março. Para amenizar o impacto do aumento dos custos, a Eletropaulo, que trabalha com cerca de 150 carros bicombustíveis, aposta na negociação com os postos distribuidores. “Vamos ter de chamar os postos com que trabalhamos e conversar. Deixar o carro parado significaria atender pior o consumidor”, afirma Maria do Carmo Marini, diretora de patrimônio da empresa. A alta do álcool aniquilou completamente uma economia de 32% nos gastos com combustíveis que a Eletropaulo tinha conseguido ao adotar veículos flex. Enquanto a empresa pagou 1,32 real pelo litro do combustível da cana em novembro de 2005, hoje desembolsa 1,8 real. “Agora mantemos o álcool só pela questão ambiental”, diz Maria do Carmo.

O medo de prejudicar o serviço também impede José Jacobson Neto, diretor operacional do Grupo GP, que atua na área de segurança, de manter os carros parados para controlar os gastos. “Não podemos prescindir de segurança”, diz. A necessidade está custando caro. Para manter os 200 carros bicombustíveis rodando, a empresa gasta atualmente 156 mil reais – 30% mais do que em novembro, quando o álcool demandava à empresa 120 mil reais. Se o combustível chegar ao nível de preço da gasolina, Jacobson acredita que será preciso conversar com os clientes para repassar a eles uma parte do gasto extra.

Razões da disparada

Mas quais são as explicações para uma alta que levou o litro do álcool de 1,272 reais em agosto a 1,879 no início de março? A entressafra e o aumento das vendas de carros bicombustíveis, dizem em coro produtores e revendedores.

A entressafra da região centro-sul sempre traz esse abalo nos preços, diz o diretor técnico da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica), Antonio de Pádua Rodrigues. Um dos líderes da associação que representa cerca de 60% a 65% da produção de cana do Brasil, Pádua garante: a alta ocorre todo ano por um fator básico de mercado: “É a lei da oferta e demanda. Não há nenhuma surpresa, a produção é sazonal”.

Alguns fatores, no entanto, contribuíram. A começar pelos bicombustíveis, que caíram no gosto dos brasileiros e exigiram mais álcool. De fevereiro de 2005 para o mesmo mês de 2006, eles saltaram de 27,5% dos veículos vendidos para 76,6%. Em contrapartida, a safra de cana 2005-2006 teve problemas com seca em estados como Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e o superprodutor São Paulo. A colheita chegou a 336 milhões de toneladas, abaixo do esperado de 345 milhões, e derrubou também a produção de álcool – produtores previam 15 bilhões, mas conseguiram 14,4 bilhões.

Outro motivo para a alta, de acordo com a Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e Lubrificantes (Fecombustíveis), foi a fiscalização reforçada do governo. A ANP determinou no fim do ano que o álcool anidro – usado na composição da gasolina – recebesse um corante laranja. A medida teve como objetivo combater o álcool hidratado (usado para abastecimento) “pirata”, feito com a mistura de água ao anidro. Como o anidro é livre de impostos, alguns produtores usavam a prática para driblar a tributação do hidratado. “Isso dava um lucro violento aos adulteradores e um preço competitivo. A partir daí o preço subiu assustadoramente. O componente de moralização do mercado fez os preços subirem”, afirma Aldo Guarda, diretor da Fecombustíveis.

No entanto, tanto Guarda como Pádua, da Unica, acreditam que esses fatores não devem segurar o preço do álcool nas alturas por muito mais tempo. Para ambos, a nova safra, que já começou em março, produzirá 15,5 bilhões de álcool e trará preços mais baixos. Mas prepare-se porque a calmaria tem validade datada no máximo até dezembro, quando as chances maiores são de que a disparada do combustível se repita.

Fonte:
Portal Exame