Demanda externa faz 14 setores terem perda de R$ 19,6 bilhões

09/01/2009

A redução de exportações e o aumento de importações tiraram o dinamismo de alguns setores da economia brasileira em 2006, em grande medida devido à valorização do câmbio. Segundo cálculos da MCM Consultores, a queda na produção de 14 segmentos da indústria afetados negativamente pela demanda externa atingiu R$ 19,6 bilhões no ano passado.

Como era de se esperar, as indústrias de vestuário, calçados e têxteis foram atingidas, mas outros segmentos tiveram perdas ainda maiores, como o de alimentos e o de material eletrônico. O estudo da MCM mostra ainda que a demanda externa trouxe ganhos de R$ 9,6 bilhões a 12 setores.

O impacto do câmbio explica a maior parte dos problemas, mas há fatores específicos que influenciam o mau resultado de algum segmentos. No caso de alimentos, a redução da demanda internacional por carne de aves, por conta da gripe aviária, afetou fortemente as exportações, como nota o economista Márcio Pagés, um dos autores do estudo, ao lado de Genílson Santana e Celso Toledo. A diminuição da produção de alimentos foi de R$ 5,417 bilhões, o que se deveu quase inteiramente à queda de R$ 5,362 bilhões das exportações.

O segmento de material eletrônico também foi bastante atingido, com um impacto negativo de R$ 2,824 bilhões. O efeito maior veio do aumento das importações, que cresceram R$ 3,020 bilhões – as exportações contribuíram positivamente com R$ 196 milhões.

A indústria de material eletrônico é um bom exemplo de um setor que perdeu espaço para a concorrência externa devido ao dólar barato, diz Toledo, economista-chefe da MCM. O problema é que a atual cotação do dólar está muito abaixo do que seria o câmbio de equilíbrio do setor, estimado pela MCM em R$ 2,93. “O câmbio de equilíbrio é o que traria a rentabilidade do segmento para o nível médio dos últimos cinco anos”, explica.

Para chegar a esses números, a consultoria levou em conta os preços dos produtos de cada segmento e a sua estrutura de custos, atualizando cálculos de um estudo realizado em meados de 2006. Na indústria de alimentos, a taxa de equilíbrio seria de R$ 2,27, bem mais baixa que os R$ 2,93, mas ainda assim maior que o atual valor do dólar, que tem oscilado na casa de R$ 2,15.

Outros setores que sofreram um impacto negativo da demanda externa em 2006 necessitam de um câmbio de equilíbrio bem mais desvalorizado que o atual. O de veículos automotores, que teve perdas de R$ 2,702 bilhões, precisaria de um dólar de R$ 2,71 nas contas da MCM. A indústria têxtil, com uma redução da produção de R$ 1,004 bilhão, teria que trabalhar com um câmbio de R$ 2,82.

“Os cálculos são um termômetro de quem ganhou e quem perdeu na indústria no ano passado”, afirma Toledo. Mas uma perda de R$ 19,6 bilhões não é pouco para uma economia do tamanho da brasileira? Ele diz que não, observando que um crescimento de 4% significa uma produção de R$ 80 bilhões a mais de bens e serviços, levando em conta um PIB de R$ 2 trilhões. “Os R$ 19,6 bilhões representam quase 1% do PIB.”

Para calcular o impacto da demanda externa sobre a produção, a MCM compatibilizou os dados da balança comercial da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) com os das contas nacionais, medidas pelo IBGE. Depois, computou a variação das exportações e importações, em valores, por setor. O resultado foi comparado com os números do valor da produção, tudo em moeda local.

O estudo dá uma medida do impacto da demanda externa sobre o crescimento, num cenário de expansão das importações a um ritmo bem superior ao das exportações. O economista Júlio Callegari, do JP Morgan, diz que o setor externo “roubou”, de 1,1 a 1,2 ponto percentual do avanço do PIB em 2006, que ele estima em 2,7%.

A MCM analisou apenas o desempenho da indústria, não incluindo a agropecuária e serviços. Além disso, o PIB é calculado com base nos volumes produzidos, ao passo que a consultoria fez uma estimativa dos valores.

A demanda externa não fez estragos em todos os setores da indústria. Doze deles tiveram ganhos, por meio do aumento de exportações ou por queda das importações – ou pelos dois juntos. Alguns se beneficiam dos preços elevados de seus produtos no exterior, como o de minerais não metálicos, a indústria extrativa mineral e a de refino de petróleo e álcool.

Na extrativa mineral – em que se encontra a produção de petróleo -, houve ganhos de R$ 1,81 bilhão em 2006, principalmente devido ao aumento de R$ 1,118 bilhão das exportações. É um segmento para o qual o câmbio a R$ 2,15 é bastante confortável, uma vez que, pelas estimativas da MCM, tem um câmbio de equilíbrio de R$ 1,68. O de refino de petróleo e álcool foi o maior beneficiado (R$ 3,506 bilhões), em grande parte pelo crescimento das vendas externas (R$ 3,294 bilhões). Há setores que obtiveram ganhos por terem a maior parte dos custos em dólar e as receitas em reais, como os de farmacêutica (R$ 76 milhões) e perfumaria (R$ 309 milhões). Aí, o câmbio valorizado é positivo.

Para 2007, a expectativa dos analistas é de que o setor externo continue a contribuir negativamente para o crescimento, porque as importações devem crescer mais uma vez a um ritmo bem superior ao das exportações, num cenário de dólar ainda barato.

Callegari estima que as vendas externas vão crescer 6,2% e as compras, 18,9%, o que deve resultar num saldo comercial de US$ 37 bilhões, abaixo dos US$ 46 bilhões de 2006. Toledo estima um superávit de US$ 38,5 bilhões, com o Brasil ainda beneficiado pelos preços internacionais de alguns produtos. “Isso provavelmente implicará a continuidade da concentração da pauta exportadora nos setores com cotações favoráveis, como mineração e álcool e açúcar”, diz.

Fonte:
Valor Economico
Sergio Lamucci