China acelera e ganho do Brasil corre risco
09/01/2009
A produtividade da indústria no Brasil, ao contrário do que se poderia supor, não perde feio para a da China, considerada, cada vez mais, um sério concorrente no mercado internacional. Ao contrário, o produto nacional em setores como automóveis, eletrodomésticos, fogões e geladeiras, produtos de som e imagem e computadores, pode ser tão, ou até mais, competitivo do que o chinês.
Mas esse quadro, aparentemente confortável, pode mudar. A indústria chinesa, que tem a grande vantagem de pagar um salário bem menor do que o pago a um trabalhador brasileiro, também está investindo pesadamente em tecnologia e educação e, como conseqüência, sua produtividade cresce mais rapidamente do que a do Brasil.
A avaliação é de economistas ouvidos pelo Valor. Um deles é o pesquisador do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) Maurício Mesquita Moreira, que concluiu recentemente um estudo no qual compara a indústria manufatureira da China à do Brasil e demais países da América Latina.
No setor automobilístico, por exemplo, Moreira observa que o Brasil é mais produtivo do que a China, se forem considerados o número de veículos produzidos por trabalhador. “A China ainda é um caos no setor automobilístico. Há muita regulação, muitas empresas pequenas. Por enquanto, temos vantagens, mas a China está se organizando”, diz.
Comparar dados sobre produtividade entre países não é trabalho fácil de ser feito. Moreira, em seu estudo, usa uma comparação da consultora Mckinsey, que levantou dados junto a empresas multinacionais. A China, segundo esses dados, produz pouco mais de 20 veículos por trabalhador. O Brasil pouco mais de 30. O México consegue superar a marca de 60 veículos por trabalhador.
No setor de linha branca, o Brasil estaria à frente da China, da Índia e do México, só perdendo para a Coréia do Sul. Os dados mostrados no gráfico ao lado devem ser avaliados com cuidado. Os números exatos podem ser um pouco acima ou abaixo do que os apurados pela Mckinsey, “mas é um quadro bem próximo da realidade”, diz o pesquisador do BID.
Se a produtividade brasileira está numa situação relativamente positiva em se tratando de volume fabricado, o mesmo não se pode dizer quando se olha para o salário. “O salário pago no Brasil está crescendo e vai continuar crescendo. E na China ele ainda é muito baixo. E essa diferença não vai sumir nos próximos dez anos”, diz o economista do BID.
John Stopford, professor emérito da London Business School, pesquisou os valores dos salários pagos pela alemã Siemens a funcionários qualificados em vários países do mundo. Na sede, a empresa paga 56,5 euros pela hora trabalhada. No Brasil a hora cai para 15,5 euros e na China despenca para 3,5 euros. O estudo de Moreira mostra que o salário pago no Brasil é cinco vezes maior do que na China.
A sede com que os exportadores chineses têm ganho mercados pelo mundo, com maior participação de produtos de conteúdo tecnológico mais avançado, vem prejudicando, segundo Moreira, mais o México do que o Brasil. Mas isso acontece porque a fatia das matérias-primas na pauta de exportação brasileira ainda é grande. A vantagem da China, nesse caso, é turbinada pelos investimentos estrangeiros que ela recebe, em volume bem superior ao do Brasil.
Com vantagens comparativas na China tão importantes e um Estado ainda muito intervencionista e pouco democrático, ao Brasil restaria avançar em outras áreas para melhorar a produtividade: as empresas e o governo deveriam investir mais em tecnologia e em educação e a carga tributária sobre a produção deveria ser menor.
O professor Naércio Aquino de Menezes, da USP, também estudou a produtividade da indústria brasileira e comprovou dois fatores com papel fundamental para a sua expansão nos últimos anos: a redução das tarifas de importação para insumos e componentes e mão-de-obra mais qualificada.
“O ganho de produtividade é maior naquelas empresas que têm funcionários mais qualificados. E isso faz sentido, já que para usar os equipamentos mais modernos, de alta tecnologia, a empresa precisa de trabalhadores mais preparados”, diz Menezes.
No que se refere à educação, observa, o problema é que o Brasil ainda tem uma média educacional muito baixa. “Nos anos 80, enquanto um cidadão dos Tigres Asiáticos tinha 12 anos de estudo, em média, o brasileiro tinha seis. Nos anos 90, melhoramos, mas ainda estamos atrás deles”.
O pesquisador do BID avalia que, para a melhorar a produtividade da indústria latino-americana, falta trazer o Estado de volta na maioria dos países da região. “No Brasil o Estado não está ausente, mas está perdido”, diz. Ele não vê com bons olhos, por exemplo, a política industrial anunciada em 2003 e que caminha lentamente.
Em linhas gerais, o governo daria mais atenção às indústrias de semicondutores, programas de computador, medicamentos e bens de capital por considerá-las indutores de avanço tecnológico em outros setores.
“Não funciona essa estratégia de escolher setores. Politicamente é complicado, é o mesmo que dizer que os demais setores não são tão importantes. E é difícil dizer em quais setores se deve apostar”, diz o economista do BID. Concordam com ele os professores Menezes, da USP, e Pedro Cavalcanti, da escola de pós-graduação em economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Os três lembram que a economia brasileira é grande e diversificada e afirmam que o melhor seria aplicar medidas horizontais, que estimulassem toda indústria a investir em produtos mais avançados tecnologicamente e no aperfeiçoamento dos funcionários.
Cavalcanti lembra de outro ponto que pode ajudar a indústria a ficar mais produtiva: melhorar a infra-estrutura do país, em especial no setor de transportes. É sabido que rodovias esburacadas e estradas de ferro que vêm encolhendo nos últimos dez anos, para citar apenas dois exemplos, atrapalham bastante a empresa que quer crescer de forma mais eficiente.
O professor Samuel Pessôa, da FGV do Rio, chama atenção para o que considera um atraso para a sua expansão: a Justiça do Trabalho estimula uma relação conflituosa entre empregador e empregado e a rotatividade do trabalhador formal nas empresas é alta.
Na Grande São Paulo, 23% das pessoas contratadas formalmente pela indústria estão há menos de um ano no posto. Isso significa que a cada quatro anos a indústria roda a sua mão-de-obra inteira, explica o professor do Instituto de Economia da Unicamp, Claudio Salvador Dedeca, citando dados de 2003.
No setor de comércio é ainda pior. A rotatividade é de 36%, com o giro sendo feito, então, a cada três anos. Na construção civil, com 48%, “a cada dois anos roda toda a mão-de-obra contratada formalmente”. “A alta rotatividade prejudica a produtividade da indústria”, diz o economista da Unicamp. Quando se permanece tão pouco tempo num emprego, a empresa não tem interesse em qualificar o trabalhador e nem este tem interesse em investir em treinamento. Dedeca ainda não calculou os dados para 2004, mas estima que a rotatividade tenha aumentado.
Esses fatores negativos, somados à carga tributária alta, infra-estrutura capenga e insuficientes investimentos em tecnologia e educação, têm impedido que a indústria nacional dê um novo salto em sua produtividade.
O Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), usando dados do IBGE para produção, emprego e quantidade de horas pagas pela indústria, estima que a produtividade tenha crescido em torno de 6% em 2004. Seria o melhor resultado dos últimos cinco anos, conforme publicado pelo Valor no início da semana passada. Em 2003 o aumento teria sido de 0,4%.
Pessôa, da FGV, acredita que, na verdade, em 2003 a indústria teria perdido produtividade. Em 2004, concorda, deve ter havido forte crescimento. Na média, diz ele, “a produtividade no Brasil está estagnada”. O Iedi informa que de 1999 a 2002 a produtividade caiu, em média, 0,6%. Nos últimos cinco anos, o crescimento da produtividade deve ter sido negativo ou nulo, segundo o Iedi.
O diretor-executivo do Iedi, Julio Sérgio Gomes de Almeida, observa que a produtividade cresceu bem no ano passado porque a indústria vinha racionalizando produção e trabalho desde 2003 e investiu em modernização, em decorrência da reativação da economia no ano passado. “Acho difícil manter (a expansão em torno de 6%) em 2005, a menos que haja um crescimento muito forte dos investimentos em modernização industrial”, avalia Almeida. Sua aposta é de um aumento em torno de 3%.
Valor Economico
24/1/2005