Casa de Vidro de Lina Bo Bardi ainda não tem previsão de reabertura
09/01/2009
A Casa de Vidro, projetada em 1949 por Lina Bo Bardi, foi onde a arquiteta italiana viveu com o marido, o fundador do Museu de Arte de São Paulo, Pietro Maria Bardi, até sua morte, em 20 de março de 1992. Ícone da arquitetura moderna paulista, sempre atraiu visitantes de todo o Brasil e do exterior, em picos de até 100 pedidos por dia na última Bienal de Arquitetura, em 2005, quando São Paulo estava cheia de estudantes e arquitetos, inclusive estrangeiros. No momento, contudo, quem quiser conhecer a sede do Instituto Bardi, cuja proposta de tombamento foi aceita pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan) em fevereiro ainda vai ter de esperar.
O imóvel da Rua General Almério de Moura, 200, uma travessa da Avenida Morumbi, no bairro paulistano de mesmo nome, e seu jardim estão completamente fechados ao público desde outubro de 2006, por conta de problemas de conservação e manutenção, e seguem sem previsão para reabrir. Só quem entra na propriedade agora são o caseiro, os vigias da ronda motorizada e a equipe do Instituto, que ocupa uma espécie de bangalô na lateral do terreno, desenhado por Lina como um anexo da Casa.
“Para além da importância da construção em si, o tombamento representa uma ampliação da atenção do Iphan à preservação de obras além da chamada ‘escola carioca’, que produziu construções como o Palácio Capanema (RJ) e o complexo da Pampulha (BH)”, explica o professor Marcos Carrilho, da Universidade Mackenzie.
Carrilho, responsável pela instrução do processo de tombamento no Iphan, conta que a Casa, inicialmente, era parte do grande projeto do Museu de Arte de São Paulo (Masp), outra obra de Lina. Artistas visitantes se hospedariam em anexos, para travar contato com a cultura e a natureza brasileiras. À época, a região do Morumbi era praticamente desocupada, e o terreno, um descampado. Foi a arquiteta quem refez a reserva de mata atlântica ali, com algumas mudas doadas por um amigo seu, o paisagista Roberto Burle Marx.
Transparência radical
“Até hoje, a Casa choca pela modernidade, futurismo, elegância e limpeza”, afirma Marcelo Ferraz, colaborador de Bo por 15 anos e primeiro diretor do Instituto Bardi, cargo que ocupava quando deu entrada no pedido de tombamento do imóvel. Para José Eduardo Lefèvre, que leciona história da arquitetura na Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo (FAU-USP), a obra radicaliza a experiência de Lina Bo com a transparência. “É como se a casa flutuasse. Mesmo a Casa Farnsworth [projeto do alemão Ludwig Mies van der Rohe, construída em 1951 perto de Plano, Illinois], um dos exemplos mais notáveis desse tipo de construção, está bem mais ‘apoiada’ no chão do que a casa de Lina.”
A construção, primeira da arquiteta no Brasil, contém características que se evidenciariam em projetos célebres como o Masp (construído entre 1956 a 1968) e o Sesc Pompéia (inaugurado em 1982). Uma das mais marcantes, além da busca da transparência e da leveza e do conceito de “caixa de vidro”, é o uso da escada como elemento escultórico, mais do que apenas um meio de passagem (“os degraus são vazados e se entra na residência por baixo. Parece um disco voador”, entusiasma-se o professor Lefèvre). Por outro lado, não se vê o “brutalismo” -corrente dos anos 50 que valorizava os elementos em seu estado natural: concreto à vista, ou tijolos aparentes – que seria incorporado fortemente aos trabalhos posteriores.
O arquiteto, curador e professor Rodrigo Queirós avalia que a Casa de Vidro ainda flerta com tendências das vanguardas européias, mas já mostra a abertura de Bo Bardi para o Brasil. “A ‘ausência’ de paredes é uma apropriação da tecnologia pela estética. Não é uma invenção de Lina, mas aqui a paisagem natural realmente a mudou. A tradição do design italiano é muito forte, cada arquiteto de lá carrega um Coliseu nas costas, e o Brasil dos anos 50 era um país a ser construído.” Para Carrilho, existe um “sentido ético” nessa escolha. “Ela acreditava que o morador devesse experimentar o exterior de sua habitação sem mediações, até em situações assustadoras como tempestades.”
Tombamento e preservação
Apesar de toda a importância histórica, a situação atual da Casa de Vidro, sede do Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi, inspira cuidados. “Desde o falecimento de seus moradores [Pietro Maria morreu em 10 de outubro de 1999], a Casa não recebe a mesma atenção e vem sofrendo deterioração e desgaste naturais do tempo sobre as construções”, afirma Marcos Carrilho. O tombamento é uma proteção legal a modificações no conceito original de uma obra, mas não assegura sua preservação, continua o professor. “A contrapartida do poder público vem nos incentivos fiscais, na possibilidade de acesso à Lei Rouanet, a financiamentos subsidiados e ao Programa Monumenta, do BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento].
Renato Anelli, professor de arquitetura na USP-São Carlos e um dos diretores do Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi, comemora a decisão do Iphan. “Faltava o reconhecimento federal. A relevância da Casa já foi determinada no Município e no Estado [respectivamente, desde 1992 pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp), do qual José Eduardo Lefèvre é presidente, e desde 1987 pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat)].” Ele detalha a necessidade de manutenção: “a última foi em 1993. Agora, há muita coisa para ser feita, a começar pela descupinização, já que até árvores do entorno estão infestadas. Também há algumas infiltrações e pequenas partes da laje que se destacaram, o que motivou o fechamento da casa ao público.”
E por enquanto não há perspectiva de reabertura. “Nossa prioridade é a preservação do acervo. Mesmo a visitação precisa ser reequacionada, para não comprometer a construção e os bens”, segundo ele. Anelli revela que essa discussão já começou no Instituto, e deve ser exposta publicamente no segundo semestre de 2007. Nesse meio tempo, todo o acervo está sendo inventariado, enquanto o processo de descupinização é feito, ao custo de R$ 35 mil, com fundos próprios. “A velocidade desses processos vai depender dos recursos que obtivermos. Esperamos que a decisão do Iphan nos ajude a obter melhor pontuação nos julgamentos de pedidos de fomento”, diz Renato Anelli. Ainda não se busca ativamente nenhuma linha de crédito para a reforma da Casa, mas o arquiteto prevê que isso deva acontecer a partir do 2º semestre. “Se tudo der certo, a Casa de Vidro pode estar pronta para reabrir nos primeiros meses de 2008.”
Marcelo Ferraz lembra que a Casa de Lina e Pietro Bardi sempre foi um ponto de encontro entre personalidades como Caetano Veloso, Glauber Rocha, Darcy Ribeiro, Oscar Niemeyer e muitos outros. “Eles eram um casal especial, e o local onde moraram tem essa vocação de ser um pólo de referência”, completa.
Fonte:
UOL
THOMPSON LOIOLA