Carpe diem

09/01/2009

di BENJAMIN STEINBRUCH

Anos atrás , a dívida externa brasileira estava na boca do povo. Qualquer um sabia de cor o valor dela em bilhões de dólares. “É impagável”, dizia-se.
Hoje, a dívida externa quase sumiu do noticiário. Há poucos dias, ela reapareceu meio escondida, no meio do balanço sobre as contas externas feito pelo Banco Central. Ninguém se preocupou com ela.

A dívida terminou o ano passado em US$ 201 bilhões, um número muito positivo, porque é US$ 13,5 bilhões menor que o do fim de 2003. Por conta dessa redução de dívida e também por causa do aumento das exportações, o Brasil tem hoje os melhores níveis de solvência externa desde a década de 1970. Em 2003, o país gastava 73% das exportações para pagar juros e amortizações, o chamado serviço da dívida. Em 2004, esse índice baixou para 54%. Dois anos atrás, a dívida representava 65% do PIB. Hoje, representa 54%.

Então, está tudo muito bom, está tudo muito bem. De um lado, aumentam as exportações, que já correm a um ritmo de US$ 100 bilhões anuais. De outro, cai a dívida externa. É o melhor dos mundos, que permitiu ao ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) anunciar ontem que o Brasil não mais renovará o acordo com o FMI, ao qual o país estava amarrado desde o início dos anos 80.
Viremos a página do jornal. Lá está outra notícia, publicada com grande destaque nos Estados Unidos e também aqui no Brasil. A General Motors, maior montadora global de automóveis, anuncia a previsão de um prejuízo de US$ 850 milhões no primeiro trimestre e uma redução de 50% no resultado previsto para todo o ano de 2005. A notícia provoca uma forte queda nas ações da montadora americana, e o valor de mercado da companhia cai quase US$ 3 bilhões em um único dia.
As razões dos problemas da GM são conhecidas, quase triviais: a forte concorrência dos fabricantes japoneses e os preços elevadíssimos dos combustíveis (por causa da alta do petróleo), que derrubaram as vendas de utilitários esportivos, velhos beberrões de gasolina.

Poucos minutos depois da divulgação das previsões da montadora, o efeito GM já se espalha pelo mercado, atinge os países emergentes, e o Brasil também leva chumbo. O risco-país, que havia caído para 365 pontos, sobe rapidamente para 428 pontos e, depois, para 480 pontos. Em um mês, já acumula mais de 20% de alta. Em outras palavras, o custo de captações para empresas brasileiras fica mais caro.

É o contágio, diz-se no mercado. Os investidores globais, para cobrir possíveis perdas com a GM, são forçados a realizar lucros em outros papéis. E vendem títulos de emergentes, uma fuga que não se dá apenas pelo efeito GM. Há ainda a alta de 0,25 ponto percentual nos juros nos Estados Unidos e a elevação da inflação americana para 0,4% ao mês em fevereiro.

Mas o que significam essas duas notícias? Afinal, está tudo muito bem para as contas externas brasileiras, como indicam os números da redução da dívida, ou está tudo muito mal, como revelam as oscilações recentes do mercado? Nem uma coisa nem outra. O Brasil fez, sim, grandes progressos ao reduzir o peso relativo do serviço da dívida e, em conseqüência, sua vulnerabilidade externa. Não há nenhuma catástrofe à vista, o que justifica a não-renovação do acordo com o FMI, mas o país continua bastante sensível às volatilidades do mercado internacional.

Moral da história: é uma ilusão achar que um país como o Brasil pode conquistar a estabilidade perene. O tamanho dos nossos problemas sempre dependeu e continuará dependendo do que ocorre com a economia americana, com os preços do petróleo ou com o humor dos mercados. A experiência recente indica que esse humor pode mudar de uma hora para outra, sem muito aviso prévio, por conta de algum estopim aqui ou ali, como a crise de um emergente ou a quebra de uma grande corporação.

Então, a idéia que ocorre está na expressão latina “carpe diem”, desfrutar o momento sem se preocupar obsessivamente com o futuro. Às vezes, dá a impressão de que o nosso Banco Central pretende corrigir o mundo a golpes de Selic, acreditando que a sua milagrosa taxa de juros tem poder de defender a economia brasileira contra qualquer tipo de ameaça.

Não adianta se apavorar com possíveis mudanças no cenário externo e jogar juro na lua. Aproveitar o momento não é uma incitação à irresponsabilidade. É só um lembrete de que não se pode ficar parado, com o freio de mão puxado, à espera de nuvens negras no horizonte, como se fez nos anos 90, quando o Brasil jogou sempre na retranca e perdeu o bonde do crescimento mundial. Aproveitar o momento é oferecer custos razoáveis para estimular a produção, fomentar investimentos públicos e privados e ajustar a taxa do dólar para atender ao atual ímpeto exportador. O país pode e deve fazer isso. Fora das grades do FMI deverá ser ainda mais fácil.

Folha online
29/3/2005

Benjamin Steinbruch, 51, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).