Brasil e G-20 preparam-se para negociar alterações no texto da OMC
09/01/2009
O Brasil e seus aliados do Grupo dos 20 (G-20) vão pressionar por “ajustes” no pacote sobre agricultura e produtos industriais que a Organização Mundial de Comércio (OMC) submeteu aos países na sexta-feira como base para um acordo até o final do mês, avaliam analistas.
O agronegócio brasileiro recebeu com prudente otimismo o texto, diz Antonio Donizete Beraldo, diretor de comércio exterior da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). “Só a possibilidade de entrarmos enfim em negociações reais na OMC já nos deixa otimistas, mas continuamos cautelosos sobre a substância.”
Para o analista Marcos Jank, do Instituto de Estudos de Comércio e Negociações Internacionais, o pacote “com algumas modificações, dá para aceitá-lo.”
A CNA espera que um acordo na OMC ajude a destravar a negociação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Segundo Donizeti, o maior obstáculo na Alca é a demanda do Brasil e, principalmente, da Argentina em negociar apoio doméstico no contexto regional, o que Washington recusa. “Com entendimento na OMC, é mais provável que o Mercosul flexibilize sua posição nesse ponto na Alca”, diz o diretor da CNA.
O Brasil convocou o G-20 para coordenar nesta terça-feira a estratégia agrícola para os próximos dias. “O texto tem viés contra os interesses de nossos países”, diz o embaixador da Argentina na OMC, Alfredo Chiaradia. Afirma que os exportadores poderiam “arrancar com um texto melhor” para barganhar alterações.
Fontes da OMC consideram difícil fazer alterações significativas no pacote, porque ele reflete o compromisso possível no momento. Ou se aceita algo próximo ou não haverá acordo.
O texto de 16 páginas começa a ser alvo de discussões nesta segunda-feira. Contém dois elementos vistos como fundamentais para um pacote decolar: o compromisso de eliminação dos subsídios na exportação de produtos agrícolas, e o compromisso para se lançar negociações sobre facilitação de comércio – uma das quatro famosas questões de Cingapura (ficam de fora concorrência, investimentos e compras governamentais).
Na parte agrícola, quase metade do documento, são incorporadas várias propostas do Brasil e do G-20. Além da eliminação dos subsídios em data a ser negociada, há a idéia de os países que usam mais subsídios fazerem cortes maiores, fórmulas por bandas e cortes maiores nas tarifas mais altas. Também prevê combate à escalada tarifária, que atinge produtos de interesse exportador do Brasil. Também incorpora a idéia brasileira de adotar mecanismo para monitorar o futuro acordo agrícola.
Para a CNA, outro ponto positivo é a confirmação de que o corte tarifário terá como base as tarifas consolidadas (o nível máximo que o país se comprometeu na OMC). No Brasil há tarifas consolidadas que chegam a 55% (caso do vinho). A média é de 35%, mas a alíquota de fato aplicada é de 0%.
Mas o pacote complica para o Brasil e outros exportadores em dois pontos. O mediador agrícola, Tim Groser, considera no texto “produtos sensíveis” dos países ricos praticamente tudo que é hoje submetido a cotas tarifárias (restrição quantitativa). Significa que a União Européia, que impõe 28 cotas cobrindo 16% de suas linhas tarifárias, já garantiria não abrir adicionalmente seu mercado para carnes, tabaco, açúcar, frutas, etc.
Mas o texto estabelece logo em seguida o princípio de melhora substancial em praticamente cada linha tarifária (incluindo os produtos sensíveis), que pode ser atingida por expansão obrigatória das cotas e redução de alíquotas.
Outra dificuldade é a decisão de Groser de incorporar no texto a proposta americana para redefinir o subsídio interno (ou “caixa azul”) de uma maneira que acomoda os pagamentos contra-cíclicos. Estes são usados para compensar os agricultores americanos quando os preços mundiais das commodities baixam. Groser deixa aberta a porta para os EUA deslocarem bilhões de dólares da “caixa amarela” (subsídios que distorcem o comércio) para a “azul”. Isso significa que não haveria concorrência equilibrada e EUA e UE estariam protegidos de exportadores competitivos.
Na prática, “o que se dá de um lado se tira de outro”, diz o embaixador argentino. Para um dos maiores especialistas agrícolas brasileiros, Pedro de Camargo Neto, os técnicos “sucumbiram a pressões norte-americanas, dando uma válvula de escape a Washington” para produtos como algodão. “Mas o Brasil não pode aceitar isso, senão é perder na negociação o que ganhou na disputa”.
O texto sugere que os gastos na “caixa azul” sejam eventualmente limitados como percentagem do total da produção agrícola durante período a ser determinado na negociação. Um gasto de 5%, como já propuseram EUA e EU, permitiria a Washington jogar US$ 9 bilhões nessa caixa de subsídios.
O agronegócio brasileiro considera positiva a abordagem do texto em relação a futuros critérios mais estritos para o uso da “caixa verde” (subsídios autorizados). Os EUA e a UE dão cerca de US$ 75 bilhões de subsídios anuais a seus agricultores pela “caixa verde”.
Para os países em desenvolvimento, o texto diz que produtos sensíveis devem ser examinados em fase posterior da negociação. Quanto ao princípio de tratamento especial e diferenciado, propõe que estes países sejam submetidos a redução tarifária menor em cada banda da fórmula. Também serão autorizados a designar um certo número de produtos como “especial”. Significa não liberalizá-los, nem através da obrigação de dar cota – algo desenhado para países como Índia, Indonésia e China, mercado de interesse do Brasil.
O texto prevê que um mecanismos especial de salvaguarda para países em desenvolvimento deverá ser estabelecido, permitindo que restrinjam súbito aumento de importações agrícolas.
Valor Online 19/7/2004
Assis Moreira