Bolsa Família não estimula emprego no Nordeste
09/01/2009
O crescimento mais robusto da economia nordestina, ancorado nos programas de transferência de renda e no reajuste do salário mínimo, não tem se refletido em um ritmo mais forte de geração de empregos com carteira assinada. Em agosto deste ano, a renda decorrente dos benefícios pagos no Bolsa Família foi 36,4% maior do que a de agosto do ano passado nas cidades do Nordeste. Com isso, as vendas do comércio dessa região avançaram bem acima da média nacional e a produção da indústria também superou a média do país. Porém, a quantidade de vagas formais abertas de janeiro a julho deste ano no Nordeste foi 17% menor do que a vista no mesmo período de 2005. No país todo, o ritmo foi quase idêntico ao do ano passado: queda de apenas 0,5%.
Marcelo Neri, da FGV: “Nesses locais, a economia é muito baseada na troca, no escambo, mas isso tem mudado.”
No primeiro semestre de 2006, as vendas do varejo nordestino avançaram 10,6%, bem acima dos 5,7% do Brasil, segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas esse resultado não impactou o emprego no setor. Pelos cálculos do economista Fábio Romão, da LCA Consultores, que agregou os números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) por regiões, houve uma queda de 15% na quantidade de vagas geradas no varejo nordestino. No ano passado, foram abertos 21,9 mil postos no comércio. Até julho deste ano, foram 18,6 mil empregos formais no mesmo setor e região.
A maior abrangência do Bolsa Família no governo Lula e o aumento do valor do Benefício de Prestação Continuada (BCP), concedido a idosos e portadores de deficiência sem condição de sustento próprio ou amparo, e das aposentadorias, ambos vinculados ao reajuste do salário mínimo , têm maquiado o crescimento da economia nordestina, na avaliação de especialistas ouvidos pelo Valor. No final do ano passado, 8,7 milhões de famílias brasileiras recebiam benefícios do Bolsa Família. Até agosto deste ano, 11,2 milhões de famílias estão no programa, um crescimento de 28,35%.
“Há uma influência muito forte no consumo dessa região, mas isso não tem tanto impacto na produção, pois boa parte do que é consumido no Nordeste é produzido em outros lugares, como o Sudeste”, explica Cláudio Dedecca, pesquisador do Centro de Estudos de Economia Sindical e do Trabalho (Cesit), da Unicamp.
Ainda que a maior renda em circulação não tenha sido capaz de movimentar a economia de pequenas e médias cidades do Nordeste, era de se esperar algum reflexo no emprego no comércio, que também não veio. “Quando você tem um adicional desse porte na renda corrente de uma população humilde, que praticamente não poupa, o impacto principal é sobre o comércio: vendas e emprego”, diz Fábio Romão, da LCA Consultores. O economista acredita que devem ter sido abertos alguns postos de trabalho no comércio das cidades onde muitas pessoas são beneficiadas pelo Bolsa Família, mas a maioria deles deve ser sem carteira de trabalho e, por isso, não entram na conta do Caged.
O governo diz que o Bolsa Família não tem como intuito dinamizar a economia das cidades onde as famílias atendidas vivem. “Ele é um programa emergencial, para tirar as pessoas da extrema pobreza”, explica Paula Montagner, coordenadora do Observatório do Trabalho, no Ministério do Trabalho. Ela diz que boa parte das cidades com alto índice de cobertura pelo programa vivem da agricultura e a economia é de subsistência.
“Para reduzir pobreza e desigualdade é preciso ter uma série de iniciativas e o Bolsa Família é uma delas”, argumenta Rosani Cunha, secretária nacional de renda de cidadania do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Segundo ela, o programa pretende aliviar a pobreza de forma imediata e reduzi-la entre gerações: os filhos devem ser menos pobres do que os pais e, por isso, exige-se a contrapartida da freqüência escolar.
Mas se a economia local se movimenta pouco e não gera empregos suficientes, como então os beneficiados pelo Bolsa Família deixarão o programa? Paula diz que uma das propostas vem da economia solidária, onde os programas oficiais reúnem os moradores em cooperativas para explorar algum potencial local. São ações de concessão de microcrédito, associativismo e criação de centros de comercialização dos bens produzidos. “Há dois anos a economia solidária toca esses projetos”, diz.
O economista Marcelo Cortes Neri, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), diz que os programas de transferência de renda – Bolsa Família, Loas, BPC – estão trazendo uma circulação de moeda nas cidades nordestinas que antes não existia. “Nesses locais, a economia é muito baseada na troca, no escambo, mas isso tem mudado. Com a expansão do crédito consignado, especialmente para os aposentados, há uma injeção de dinheiro”, afirma.
Neri diz que o governo tem transferido renda para o Nordeste e conseguido combater a pobreza e a desigualdade. “Nos últimos dez anos a renda média dos brasileiros caiu, enquanto a dos pobres cresceu”. E esse movimento beneficiou o Nordeste. “Mas é preciso ver qual a sustentabilidade desse processo”, ressalta.
Há quem veja esse crescimento nordestino como fraco e com prazo de validade bem curto. “É um movimento enganoso, impulsionado por um gasto fiscal que não deverá ser mantido nos próximos anos”, avalia Sergio Vale, da MB Associados. Para ele, o programa não cria mecanismos para que a pessoa arrume um emprego ou incremente a renda da família. “A criança vai à escola, mas o ensino é fraco. O comércio na região cresce, mas não gera empregos”, argumenta.
Os analistas ouvidos pelo Valor acreditam que enquanto não houver maior investimento público em outras áreas como educação e infra-estrutura, a economia nordestina patinará e ficará refém das transferências de renda. É preciso que mais empresas passem a investir na região. Fabio Veras, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e membro do Centro Internacional de Pobreza, diz que algumas empresas têm buscado o mercado popular do Nordeste e investiram em fábricas por lá, caso da Unilever, que está produzindo sabão em pó popular na região.
Vale, da MB Associados, é mais pessimista. Ele diz que o consumo popular realmente cresceu, mas, assim que o estímulo dado pelos programas federais diminuir, esse poder de compra vai estacionar. Como no próximo ano o estímulo fiscal do governo não deverá ser tão forte, devido ao déficit da Previdência, a expectativa de uma demanda mais forte na região não se concretizará. “As empresas que já chegaram lá podem ficar bem, mas quem quiser entrar no mercado agora não deverá ser bem sucedido”, diz.
Fonte:
Valor Economico
Raquel Salgado