Análise: Brasil se ´desacopla´ da crise externa

09/01/2009

SÃO PAULO – O mercado financeiro parece não confiar em suas próprias análises. Para transformar as suas observações em negócios efetivos, precisa da confirmação isenta de fontes externas.

A tese do “decoupling” vem sendo discutida, sem conclusões satisfatórias, desde o fim do ano passado, mas bastou o “Financial Times” argumentar, em editorial, que o Brasil mostra-se imune à crise externa para bancos e fundos dispararem ordens otimistas de operações.

O ministro da Fazenda Guido Mantega reverberou o otimismo e assumiu como verdadeira a hipótese do “descolamento”. Resultado: enquanto a queda (de 3,6456% para 3,6119%) do juro do título de dez anos do Tesouro americano mostra um acréscimo na aversão global a risco, a Bovespa subiu 2,65%, o dólar caiu 0,62%, cotado a R$ 1,7580, e os juros caíram no mercado futuro da BM&F.

O pregão de DI futuro persiste retirando os prêmios excessivamente generosos incorporados aos contratos. A taxa para o final do ano cedeu de 11,93% para 11,90%. O contrato com vencimento em janeiro de 2010 recuou de 12,57% para 12,49%. Este mercado parece ter-se convencido de que não adianta nada o Copom aumentar a Selic agora para combater um soluço episódico da inflação cujo pior momento já passou.

Só haveria sentido em subir o juro básico se fosse para combater efeitos deletérios sobre os preços de mais longo prazo, como o estabelecimento de uma rota sustentada de alta do dólar (decorrente de uma piora inquestionável e duradoura da crise americana) e da manifestação consistente de uma inflação de demanda. Não há esses dois sinais no horizonte.

O mercado de câmbio brasileiro (o único capaz de gerar um contágio danoso para o restante da economia) comprova nesse início de ano o acerto da tese do “decoupling”. Considerando-se apenas e tão-somente a taxa de câmbio brasileira, o “desacoplamento” é efetivo.

E os dados sobre a utilização da capacidade instalada da indústria refutam a hipótese da inflação de demanda. O NUCI-CNI está em queda. A consultoria LCA projeta para o fim do ano índice de 82% ante 83% no final de 2007 (dados com ajuste sazonal), refletindo tanto a desaceleração da produção como a maturação de investimentos. O PIB potencial (o quanto a economia pode crescer sem gerar inflação) avançou a 5%, enquanto o Focus prevê alta de 4,5% para 2008 e 4,06% para 2009.

Como uma decisão de política de juros leva, no Brasil, até nove meses para chegar ao mundo real, se o Copom resolvesse aumentar o juro básico de 11,25% para 11,50% em sua próxima reunião (5 de março), a sociedade só sentiria no bolso lá por novembro. Ou seja, apenas a taxa de inflação de 2009 sofreria os maiores impactos da decisão.

Atualmente, a economia ainda absorve os efeitos positivos da flexibilização monetária embora ela tenha sido encerrada em setembro do ano passado. Até maio, a economia ainda estará recebendo as benesses da distensão dos juros. E não adianta atacar agora a inflação de 2009 porque ela está, pelas expectativas do Focus, confortavelmente ancorada em 4,20%, abaixo da meta central de 4,5%.

Pelo Focus divulgado ontem o Copom não terá muito o que fazer nos próximos meses. A projeção de IPCA para este ano subiu de 4,44% para 4,45% e a estimativa para os próximos doze meses recuou de 4,30% para 4,26%. As expectativas para juro e câmbio permaneceram estáveis: Selic de 11,25% para dezembro de 2008 e de 10,25% para dezembro de 2009 e taxa de câmbio de R$ 1,80 e R$ 1,90, respectivamente.

Crise econômica no Brasil é, quase sempre, sinônimo de crise cambial. Os próprios surtos hiperinflacionários do passado derivaram de distorções e traumas vindos da área externa. Os mecanismos de indexação foram criados para permitir a convivência com os golpes desferidos contra um país dependente de capitais externos para tudo. Eles não são, portanto, a origem do mal. Deste ponto de vista não há hoje crise no Brasil.

Apesar de a queda da Bovespa diminuir o patrimônio de investidores, trata-se de evento isolado, não afeta a nação. Se o câmbio está sossegado, tudo fica em paz. E em meio às piores turbulências dos últimos cinco anos, o preço do dólar caiu de R$ 1,7770 para R$ 1,7580 desde o começo do ano.

A crise apenas impede o câmbio de aprofundar a sua danosa apreciação. Antes do surgimento da idéia do “decoupling”, o dólar oscilava mais intensamente. A crise de crédito americana, deflagrada com estrondo no dia 16 de agosto, não anulou a rota de queda, tanto que a moeda iniciou 2007 a R$ 2,15 e atingiu o piso (R$ 1,7340) em novembro.

Fonte:
Luiz Sérgio Guimarães
Valor Econômico