À espera dos estrangeiros

23/08/2008

Por Eduardo Salgado

EXAME Mal-estar é a palavra que melhor define o sentimento do investidor brasileiro com a bolsa de valores atualmente. Depois de anos gerando excelentes notícias, a Bovespa tornou-se nos últimos meses o principal motivo de dor de cabeça para os aplicadores — tem muita gente vivendo na pele o significado da expressão “sentir o patrimônio derreter”.

Desde 20 de maio, a bolsa caiu mais de 20% e perdeu o correspondente a 560 bilhões de reais em valor de mercado. Em meio a esse cenário, a questão que todos se perguntam é: quando a bolsa vai bater no fundo do poço e voltar a subir? A resposta exata, obviamente, ninguém tem, mas o fator-chave para uma virada é conhecido: a volta dos investidores internacionais à bolsa brasileira. Os aplicadores estrangeiros respondem por 35% de seu volume diário. Ainda mais importante é o papel que têm como catalisador dos humores no mercado — os demais investidores tendem a seguir seus movimentos de compra e venda de ações.

Foi essa a conclusão de um estudo recém-concluído sobre o mercado brasileiro, produzido pelo Instituto Nacional de Investidores, instituição sem fins lucrativos que reúne informações sobre o mercado de ações. Após analisar o comportamento dos pregões entre janeiro de 2005 e junho de 2008, observou-se que, em 30 dos 42 meses, os investidores brasileiros seguiram o movimento dos estrangeiros. “Já sabíamos que eles eram importantes, mas não imaginávamos que eram tão determinantes para os rumos do mercado”, diz Paulo Portinho, autor do estudo.

 

Nos últimos sete meses, os estrangeiros tiraram 15,5 bilhões de reais da bolsa e provocaram o período mais longo de baixa do Índice Bovespa desde 2002, quando o medo da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência derrubou o mercado. Desta vez, no entanto, o fator que determinou a saída em disparada não teve nenhuma relação com a política brasileira. Boa parte deles tirou o dinheiro daqui para tapar buracos provocados pela crise dos Estados Unidos e está demorando a voltar porque não sabe o que vai acontecer lá fora.

“Não sabemos se o pior da crise americana já passou nem se haverá redução no crescimento da China na tentativa de controlar a inflação”, diz Wayne Kozun, vice-presidente do Ontario Teachers, um dos 15 maiores fundos de pensão do mundo. “Se alguma dessas coisas ocorrer, o risco é uma drástica redução nos preços das commodities, uma péssima notícia para o Brasil.” Explica-se: como mais de 60% das empresas listadas na Bovespa são ligadas ao setor de matérias-primas, uma queda abrupta das cotações das commodities traria inevitavelmente uma piora dos resultados das companhias e tornaria suas ações pouco atraentes.

Embora possível, esse cenário não é considerado o mais provável por instituições como o FMI. Para o Fundo, o valor das commodities deve, sim, cair nos próximos meses, mas, mesmo assim, se manterá em patamares elevados em termos históricos. “A queda dos preços deve ser de uma magnitude que não vai tirar o Brasil do caminho do crescimento nos próximos anos”, diz Paul Krugman, professor de economia da Universidade de Princeton e colunista do jornal The New York Times.

Diante desse quadro — e dessas dúvidas —, qual deve ser o comportamento do investidor brasileiro? Para responder a essa pergunta, o Guia EXAME de Investimentos Pessoais ouviu, nas últimas semanas, algumas das principais vozes do mercado financeiro do Brasil e do exterior — profissionais como Márcio Cypriano e Roberto Setubal, presidentes do Bradesco e Itaú, respectivamente, e Jim Rogers, ex-sócio do megainvestidor George Soros, entre outros .

O recado da maioria foi inequívoco: é preciso ter calma para evitar o erro clássico de entrar na alta e sair na baixa. Diz John Brennan, presidente da Vanguard, uma das maiores gestoras de recursos dos Estados Unidos: “Para investir em ações, é preciso ter uma perspectiva, de fato, de longo prazo e nunca esquecer que o mercado funciona em ciclos de altas e baixas”.

Calma na tormenta
EXAME ouviu personalidades do Brasil e do exterior sobre a atual crise. O recado da maioria para os investidores foi que é preciso ter tranqüilidade
"É difícil carimbar o perfil dos investidores em função do apetite ao risco, pois essas classificações valem para situações normais, quando o mercado não está, como agora, sob o impacto de fatos extraordinários, como os grandes prejuízos de companhias fortes, as blue chips das bolsas mundiais, e a forte mudança dos preços relativos no mundo. Quando isso acontece, os mercados balançam e assustam os investidores, que reagem, mesmo os mais experientes, de modo inesperado. Nessa hora, o que conta e vale é olhar para a tendência. O verdadeiro conselho é tentar identificar a tendência de longo prazo da economia, das empresas e do mercado. No que se refere ao Brasil, sou otimista. A economia tem perspectivas positivas de crescimento, com o aumento dos investimentos e o controle rígido da inflação pelo Banco Central"

Márcio Cypriano,
presidente do banco Bradesco
 
"Nesses momentos em que a volatilidade aumenta na bolsa de valores, o investidor deve evitar movimentar muito o portfólio. As mudanças devem estar focadas em como a empresa e o setor serão afetados pela crise no médio prazo. Recomendo não vender em tempos de incerteza, pois pode haver prejuízo em momento de baixa e eventualmente próximo da recuperação. Para quem já tem uma carteira de ações, o ideal é concentrá-la em papéis defensivos, aqueles de empresas não dependentes ou pouco afetadas pelo custo do crédito, pelo crescimento do PIB ou pelo preço das commodities. Em qualquer caso, vale a lembrança de que o investimento em ações deve ter sempre um horizonte de longo prazo e o recurso investido não deve ser comprometido com nenhuma obrigação futura."
Roberto Setubal,
presidente do banco Itaú
 
"O Brasil está numa posição bastante favorável entre os países emergentes por ter uma grande disponibilidade de recursos naturais. Esse é um grande diferencial, porque há um mercado em alta no setor de commodities. É verdade que pode ocorrer alguma correção nos próximos meses, mas não acredito em nenhuma queda de preço drástica, porque a demanda continuará aquecida. Quem vende ao Wal-Mart, como as empresas mexicanas, deve estar preocupado. Mas quem produz soja e aço, como o Brasil, tem mais é que comemorar. Hoje, o verdadeiro descolamento não ocorre entre países desenvolvidos e nações emergentes, mas entre os produtores e os não-produtores de commodities"
Jim Rogers,
ex-sócio de George Soros e dono da empresa de investimentos Rogers Holdings
 
"O Brasil, ao lado da Arábia Saudita, da Rússia e de outros produtores de commodities, é um dos vencedores no atual contexto da economia mundial. Quem mais está sentindo os efeitos nefastos da crise são Estados Unidos, Europa e Japão. O Brasil mudou muito nos últimos 20 anos. Antes, um espirro dos Estados Unidos causava uma doença grave na economia brasileira. É possível que o preço das commodities, um dos pilares da boa saúde econômica do país, caia nos próximos meses, mas não acho que a queda será grande o suficiente para tirar o Brasil do rumo. A novidade nessa crise é a influência da economia chinesa no crescimento mundial — um fator que os economistas ainda precisam explorar."
Paul Krugman,
professor de economia da Universidade de Princeton e colunista do jornal The New York Times
 
"Temos mais de 3 bilhões de dólares aplicados em ações de empresas brasileiras — o país é o maior mercado emergente do portfólio — e achamos que, na média, a bolsa brasileira ainda está barata ante a de outros emergentes, como China e Índia. Queremos continuar elevando paulatinamente nossas aplicações aqui, e um dos setores mais promissores é o de infra-estrutura, porque conta com empresas que conseguem se proteger da variação da inflação. Fora isso, a indústria de petróleo e gás do Brasil será interessante nos próximos anos, quando serão exploradas novas reservas. Também estamos avaliando o setor de etanol."
Wayne Kozun,
vice-presidente responsável por investimentos em ações do Ontario Teachers Pension Plan, um dos 15 maiores fundos de pensão do mundo, com patrimônio de 121 bilhões de dólares

O tom majoritariamente otimista em relação à bolsa brasileira se justifica com dados da economia real. De acordo com o banco de investimento americano Merrill Lynch, o lucro das empresas, em dólar, irá crescer 39% em 2008 — uma das maiores taxas do mundo e reflexo do bom momento da economia, que deve fechar o ano com expansão próxima de 5%. É verdade que os economistas prevêem certa desaceleração para 2009, mas, ainda assim, a expectativa é de crescimento superior a 3,5%. Neste cenário, o lucro das empresas deve crescer cerca de 16%, segundo o Merrill Lynch. “É um bom número, em linha com o previsto para os demais países emergentes”, diz Pedro Martins, chefe de análise de ações do banco no Brasil. A perspectiva positiva é mais um sinal do dinamismo do capitalismo brasileiro. Nos últimos anos, o país colheu os resultados das reformas realizadas a partir dos anos 90, quando novidades como um banco central (na prática) independente se tornaram um fato do dia-a-dia. Ao longo desse processo, a economia se estabilizou e instituições como a Bovespa tomaram uma dimensão inédita no país. “Em 1993, um cheque de 85 bilhões de dólares comprava toda a bolsa brasileira. Hoje, o valor de mercado das empresas listadas na Bovespa é de 1,5 trilhão de dólares”, diz Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e sócio da gestora carioca Rio Bravo. No Brasil de 2008, as empresas parecem dispostas a continuar investindo e o mercado interno se mantém aquecido. Para que os bons ventos da economia voltem a impulsionar a bolsa brasileira, só falta os investidores estrangeiros se convencerem disso.

7 regras para enfrentar a crise
Os principais conselhos dos especialistas sobre como sobreviver aos atuais altos e baixos da bolsa
1 – Não compre só porque está barato
Muitas ações caíram demais em razão da crise, mas nem todas vão voltar ao patamar que estavam antes da baixa
2 – Não entre em pânico
Fazer mudanças bruscas no portfólio é a receita para perder dinheiro
3 – Invista aos poucos
Isso reduz o risco de comprar uma ação no pico de alta — e aumenta a chance de conseguir um bom preço
4 – Não confunda bolsa com cassino
Contar com a sorte é uma péssima idéia em momentos de instabilidade
5 – Pense no longo prazo
Recursos que serão utilizados em menos de 12 meses devem ficar bem longe da bolsa
6 – Saiba por quanto quer vender
Ter metas de alta e baixa para as ações facilita o acompanhamento dos investimentos
7 – Não olhe o mercado todos os dias
Checar o desempenho da bolsa com freqüência pode fazer o investidor se precipitar

 

Fonte:
Revista Exame