NYT: Brasil está preparado para ser protagonista mundial

09/08/2008

Alexei Barrionuevo

Desesperada para escapar às dificuldades de sua existência em uma das mais pobres regiões do Brasil, Maria Benedita Sousa usou um pequeno empréstimo, cinco anos atrás, para comprar duas máquinas de costura e começar um negócio próprio, produzindo roupas íntimas femininas.

 

Hoje, Sousa, mãe de três filhos e que aprendeu a costurar em uma fábrica de jeans no qual ganhava o salário mínimo, tem 25 funcionários e opera uma modesta fábrica de dois cômodos que produz 55 mil unidades de calcinhas de algodão ao mês. Ela comprou e reformou uma casa para sua família, e agora está pensando em comprar um segundo carro. Sua filha, que está estudando para ser farmacêutica, talvez venha a ser a primeira pessoa na história da família concluir um curso superior.

"Você não pode imaginar a felicidade que eu estou sentindo", disse Sousa, 43, em sua fábrica, chamada Mateus, o nome de um de seus filhos. "Sou uma pessoa que saiu do campo e veio para a cidade. Batalhei e batalhei, e hoje meus filhos estão estudando, uma na faculdade e os outros dois no colégio. É um dom de Deus".

Hoje, o País de Sousa está saindo da pobreza pelo esforço próprio, mais ou menos da mesma maneira que ela. O Brasil, maior economia da América do Sul, estás finalmente preparado para realizar seu potencial de longo prazo como protagonista da economia mundial, um desdobramento há muito aguardado, enquanto a expansão econômica nacional atinge seu maior patamar em três décadas.

Esse crescimento está se fazendo sentir em quase todas as partes da economia, o que cria uma nova classe de pessoas altamente ricas, enquanto gente como Sousa e sua família estão ascendendo à classe média.

O crescimento também permitiu mais liberdade de manobra ao Brasil, e lhe deu maior poder de pressão para negociar de uma posição mais vantajosa com os Estados Unidos e a Europa, na Rodada Doha de conversações sobre o comércio mundial. Depois de sete anos, as negociações terminaram por ser abandonadas devido a um impasse quanto a demandas da Índia e China por salvaguardas para os seus agricultores, um claro sinal da crescente influência que essas economias emergentes estão adquirindo.

A despeito dos temores dos investidores quanto às inclinações esquerdistas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando ele foi eleito, em 2002, o líder brasileiro mostrou que seu toque é leve na condução da economia, e ele tem evitado os impulsos populistas que caracterizam os líderes da Venezuela e da Bolívia.

Em lugar deles, Lula vem alimentando o crescimento do Brasil por meio de uma combinação habilidosa de respeito pelos mercados financeiros e programas oficiais dirigidos, que estão permitindo que milhões de pessoas saiam da pobreza, disse David Fleischer, analista político e professor emérito da Universidade de Brasília.

Sousa é um dos beneficiários.

Conhecido há muito por sua distribuição de riqueza desigual, o Brasil reduziu em 6% sua disparidade de renda, de 2001 para cá, mais do que qualquer outro pais da América do Sul nesta década, disse Francisco Ferreira, economista do Banco Mundial.

Enquanto os 10% mais ricos dos brasileiros viram alta cumulativa de 7% em sua renda entre 2001 e 2006, os 10% mais pobres registram alta de 58%, diz Marcelo Cortes Néri, diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro.

Mas o Brasil também está gastando mais que a maioria de seus vizinhos latino-americanos em programas sociais, e os gastos públicos gerais continuam a ser quatro vezes superiores aos do México, em termos de porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB), diz Ferreira.

Ainda assim, o ímpeto dessa expansão econômica deve perdurar, de acordo com a maioria das expectativas. Enquanto os Estados Unidos e certas porções da Europa enfrentam recessões e a conseqüência das crises no setor de habitação, a economia do Brasil demonstra poucas das vulnerabilidades comuns às demais potências emergentes.

O País diversificou grandemente a sua base industrial, tem imenso potencial de expansão do já florescente setor agrícola, explorando novas terras, e dispõe de um imenso patrimônio inexplorado de recursos naturais. Novas descobertas de petróleo colocarão o Brasil nas fileiras das potências petroleiras mundiais, na próxima década.

No entanto, embora as exportações de commodities como petróleo e bens agrícolas tenham propelido boa parte de seu recente crescimento, o Brasil depende delas cada vez menos, dizem os economistas, e está aproveitando seu imenso mercado doméstico – a população do país chega aos 185 milhões de habitantes -, e a crescente renda que ele apresenta graças ao sucesso de pessoas como Sousa.

De fato, com uma moeda mais forte e a inflação sob controle quase completo, os brasileiros estão atravessando um surto consumista que se tornou grande propulsor da atividade econômica, resultando em crescimento de 5,4% de crescimento no ano passado.

Eles estão adquirindo tanto produtos brasileiros quanto uma crescente inundação de importados. Muitas empresas relaxaram seus termos de crédito, a fim de permitir que os brasileiros comprem refrigeradores, carros e até mesmo cirurgias plásticas, com prazo de pagamento de alguns anos, em lugar de meses, apesar de juros que estão entre os mais altos do mundo.

Em junho, o total de cartões de crédito em circulação no País ultrapassou os 100 milhões, alta de 17% com relação ao ano passado.

Nas Casas Bahia, uma rede de varejo de preços modestos com unidades em todo o País, o número de clientes que adquirem produtos em prestações quase triplicou, para 29,3 milhões, entre 2002 e 2007, disse Sonia Mitaini, porta-voz da empresa.

Outros sinais de nova riqueza abundam. Em Macaé, uma cidade enriquecida pelo petróleo no Estado do Rio de Janeiro, construtoras correm para completar novos shopping centers e residências de luxo, para atender a demanda das empresas que prestam serviços de exploração petroleira e atravessam grande expansão. No porto de Angra dos Reis, cidade conhecida por suas ilhas espetaculares, cerca de 25 mil trabalhadores encontraram emprego construindo as novas plataformas brasileiras de exploração de petróleo.

A Petrobras, a estatal brasileira de petróleo, chocou o mundo em novembro passado ao anunciar que seu campo de petróleo Tupi, localizado em águas profundas ao largo da costa do Rio de Janeiro, abrigava entre cinco bilhões e oito bilhões de barris de petróleo. Os analistas acreditam que talvez existam mais bilhões de barris em reservas localizadas em áreas adjacentes, o que deixaria o Brasil atrás apenas da Venezuela no ranking do petróleo latino-americanos.

Embora a extração de petróleo a essas profundidades seja dispendiosa e complicada, a Petrobras anunciou que espera estar produzindo 100 mil barris ao dia no campo de Tupi em 2010, e espera que sua produção atinja 1 milhão de barris diários dentro de cerca de uma década.

As novas jogadas no ramo do petróleo estão gerando um boom de investimento no Rio de Janeiro, e as projeções são de que o Estado receba um influxo de R$ 107 bilhões até 2010, de acordo com o governo do Rio de Janeiro. A Petrobras sozinha deve investir US$ 40,5 bilhões ate 2012.

Alguns economistas afirmam que uma desaceleração na economia do resto do mundo, especialmente a Ásia, que está absorvendo a maior parte das exportações brasileiras de soja e minério de ferro, poderia prejudicar o crescimento do País.

"Mas essa é uma baixa probabilidade", disse Alfredo Coutino, economista sênior para a América Latina da Economy.com, parte do grupo Moody's.

De fato, porque a economia brasileira se tornou tão diversificada nos últimos anos, o País está menos suscetível a efeitos adversos causados pelos problemas da economia dos Estados Unidos, ao contrário do que acontece com diversas outras nações da América Latina.

As exportações brasileiras aos Estados Unidos respondem por apenas 2,5% do PIB do País, ante 25% do PIB no caso do México, de acordo com a Moody's.

"O que torna o Brasil mais resistente é que o resto do mundo tem menos importância para sua economia", disse Don Hanna, diretor de economia de mercados emergentes no Citibank.

O resto do mundo com certeza tem ajudado, no entanto. A disparada nos preços mundiais dos minerais e de outras commodities criou uma nova classe de brasileiros muito ricos. O número de cidadãos com patrimônio líquido superior a US$ 1 milhão cresceu em 19% no ano passado, o que deixa o Brasil em terceiro lugar na criação de milionários, atrás apenas da China e da Índia, de acordo com uma pesquisa do Merrill Lynch e da CapGemini.

Ao mesmo tempo, Lula aprofundou muitos dos programas sociais iniciados 10 anos atrás pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, que introduziu muitas das reformas estruturais responsáveis pelo crescimento estável do Brasil atual.

No caso de Sousa, por exemplo, ela deve boa parte do sucesso de sua fábrica de roupas de baixo a empréstimos recebidos do Banco do Nordeste, aqui, um banco financiado pelo governo que concedeu microfinanciamentos a 330 mil pessoas a fim de ajudá-las a desenvolver negócios nessa região de rápido crescimento.

Outros programas, como o Bolsa Família, concedem pequenos subsídios a milhões de outros brasileiros para a compra de comida e outros produtos essenciais. Muitas famílias vêm chegando à classe média ao empregar o Bolsa Família para cobrir suas necessidades básicas e por meio de empréstimos a baixos juros que permitem que criem empresas próprias e escapem da economia informal. Foi o que fizeram Maria Auxiliadora Sampaio e seu marido, em Fortaleza.

Eles estavam recebendo pagamentos do Bolsa Família da ordem de cerca de US$ 30 ao mês, e os utilizavam para sustentar seus três filhos. Então, dois anos atrás, Sampaio utilizou um microfinanciamento de cerca de US$ 190 a fim de comprar esmaltes de unha e criar um salão de manicure, que ela opera em sua própria casa.

Hoje, ela fatura cerca de US$ 70 ao dia fazendo unhas. Os frutos de seu negócio permitiram que o casal substituísse o telhado de sua casa, comprasse um televisor e um celular. Este mês seu marido, que trabalha em uma fábrica de cachaça, conseguiu realizar um sonho: comprou uma bateria. O plano dele é utilizar o instrumento para criar uma banda de forró, o ritmo tradicional do Nordeste.

"Sinto como se fizéssemos parte desse grupo de pessoas que só agira estão chegando ao mundo", diz Sampaio, 26 anos. "Quando você não tem nada, quando não tem uma profissão, não tem um meio de vida, você é ninguém, você é um mosquito. Eu era nada. Agora, estou no paraíso".

 

Fonte:
The New York Times
Tradução: Paulo Migliacci ME