Lula e a ‘traição’ que não houve

09/01/2009

No último fim de semana assistimos a um programa de televisão onde se discutiu “a traição de Lula aos ideais do Partido dos Trabalhadores”. O fato interessante é que dois “petistas” (da corporação dos altos educadores que engordou originalmente o partido) revelaram um singular desconhecimento dos princípios mais elementares da economia (de fato, do princípio lógico de que a soma das partes não pode ser maior do que o todo).

Tiveram, portanto, enorme dificuldade de entender os argumentos de um terceiro participante, um profissional altamente treinado, temente à aritmética e conhecedor dos princípios que regem qualquer economia.

Qual a traição? Segundo eles, Lula deixou de implementar o programa “social” (que, de fato, se pretendia “socialista”) que foi a tônica do PT “original”. Como é notório, o programa do PT incorporava uma espécie de marxismo de pé quebrado e escondia quais os mecanismos difusos de administração da escassez que o partido utilizaria quando no poder. Defendia romanticamente, como uma possibilidade, a administração voluntarista orientada para o “social”.

O aspecto ridículo da discussão é que os petistas, que antes supunham ter o monopólio da ética política, continuam com a pretensão de que têm o monopólio das preocupações sociais! Professores de história, ignoram -ou fingem ignorar- o desenrolar da história, que tem sido madrasta com seu voluntarismo…

Mas o que aconteceu? Lula é realmente um traidor das esperanças que todos os generosos petistas cultivaram? É pouco provável!
O PT cresceu bastante desde a sua fundação e foi conquistando lentamente administrações municipais e, depois, estaduais. Essas administrações foram relativamente medíocres, e algumas repetições (um petista eleger outro petista) apoiadas na idéia de “que faltou tempo para cumprirmos a prometida solução dos problemas sociais” esgotaram-se pelo “cansaço” da espera…

Lula foi candidato à Presidência várias vezes com o programa original do PT e sempre perdeu (em 1989 para Collor, e em 1994 e 1998 para Fernando Henrique), não apenas porque o programa só convencia a seus próprios militantes mas porque o partido impedia qualquer aliança com os “impuros”. Em 2002 ele só foi candidato com a condição -que ele impôs- de poder fazer alianças e apresentar um novo programa. Fez a aliança com o Partido Liberal e apresentou a “Carta aos Brasileiros”, onde resumiu o seu compromisso com a nação.

A verdade é que, mostrando disposição de administrar ampliando a sua base original e eliminando os resquícios de voluntarismo romântico-idealista do “velho” programa, para torná-lo palatável a dois terços da sociedade, Lula foi eleito. É com esses dois terços, e não apenas com os 20% do PT, que ele tem compromisso.

Obviamente Lula foi muito maior do que o PT. Pode-se mesmo dizer que o PT cresceu arrastado por Lula. O PT teria direito, portanto, a apenas 20% da administração. O verdadeiro erro de Lula foi dar-lhe 80% do governo!
Lula, portanto, não traiu seus eleitores majoritários. Trai-los-ia se adotasse o velho programa petista, como sugeriram os ilustres professores…

Fonte:
Folha de S.Paulo
20/7/2005
Antonio Delfim Netto