As veias abertas da Amazônia
09/01/2009
Selva brasileira é desmatada e tem 95.355km de estradas ilegais
Bernardo Gutiérrez
São braços de terra, de barro. Alguns trechos estão asfaltados. Em outros aterrissam os aviões privados das máfias madeireiras. Todos têm um denominador comum: são ilegais. As estradas não-oficiais da Amazônia somam no mínimo 95.355 quilômetros, segundo o último informe do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
Esse número, porém, parece ser apenas a ponta do iceberg do desflorestamento. O estudo mapeou apenas 1,3 milhão de quilômetros quadrados, 28% da superfície da Amazônia brasileira, área compreendida entre os Estados do Acre, Rondônia, Amazonas, Mato Grosso e Pará.
As vias ilegais equivalem a dez vezes o número de estradas legais da região –10.190 quilômetros–, ou a 2,3 vezes a circunferência terrestre. “Essas estradas provocam conflitos ambientais e humanos gravíssimos. São a via de entrada do desflorestamento e do crime”, afirma o biólogo Adalberto Veríssimo um dos autores do estudo.
O relatório da Imazon representa um novo parâmetro para o governo Lula, pois os dados de desmatamento de 2004 –26.130 quilômetros quadrados– foram o segundo pior resultado da história. Além disso, o número reconhecido pelo governo brasileiro é inferior ao real, pois deixa fora de seu estudo 7% da superfície amazônica.
“Há ministérios como o da Agricultura que incentivam obras de infra-estrutura que estimulam o desflorestamento”, afirma Márcio Santilli, do Instituto Socioambiental.
A situação é especialmente grave no Estado do Pará, onde, em fevereiro, foi assassinada a missionária americana Dorothy Stang. O estudo do Imazon revela que há 61.798 quilômetros de estradas ilegais, quando em 1990 eram apenas 5 mil quilômetros. A relação estrada-desmatamento está mais que provada.
“Setenta e cinco por cento das áreas de selva devastadas se situam junto a estradas”, afirma Gisella Mussini, uma das pesquisadoras que representou o Brasil na última Conferência do Clima em Buenos Aires.
A célebre rodovia Transamazônica, construída em 1971 sob o lema de uma terra sem homens para homens sem terra, é a maior prova: se transformou na plataforma perfeita para os buldôzeres que já arrasaram 17,5% da Amazônia, segundo o Fundo Mundial da Natureza (WWF).
Municípios fantasmas
As estradas não-oficiais, com suas garras de barro, modificam para sempre a ortografia da selva. O informe da Imazon comprova que perfuraram a selva virgem, reservas naturais como a de Tapajós e reservas indígenas.
“Avançaram em terras dos caiapós, bacajá e apyterewa”, afirma Veríssimo. Como se fosse pouco, algumas prefeituras municipalizam as estradas ilegais. E mais: muitos novos municípios são ilegais. Somente no Pará, o número de municípios cresceu de 83 para 143 desde 1980. Entre eles, uma rede de estradas ilegais cada vez mais densa.
Algumas, como a Estrada do Outro que sai de Novo Progresso (uma das localidades com maior índice de desmatamento no Brasil), foram construídas nos anos 80 em plena febre do ouro. Mas a maioria é recente. O financiamento ocorre por conta dos latifundiários, de multinacionais e até de políticos.
O La Vanguardia percorreu, escoltado pela Polícia Federal, cerca de 300 km de uma estrada que liga Marabá a São Félix do Xingu (no Pará) que não aparecia em nenhum mapa. A devastação é indescritível: terra incendiadas, pastos vazios, lojas de motosserras. Comprovamos inclusive a existência de uma localidade fantasma, Quatro Bocas, com vários milhares de habitantes.
“As madeireiras, protegidas pela impunidade judicial, acreditam que isto é uma farra”, afirma Edson Guillet, sociólogo do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama). Só no sul do Pará operam, segundo o Ibama, 1.200 madeireiras ilegais. E dos 1.400 Planos de Manejo Florestal herdados do governo anterior, o Ibama suspendeu por irregularidade todos menos 73.
A corrupção é especialmente grave no Estado de Mato Grosso, onde a rede de estradas ilegais tem 16.709 km e a área desmatada em 2004 alcançou 10.400 quilômetros quadrados (48,1% do total).
A Polícia Federal deteve em junho a diretora do Ibama de Mato Grosso e 47 funcionários acusados de facilitar autorizações para desmatamento ilegal. Para Antonio Canuto, da diretoria da Comissão Pastoral da Terra, o preocupante é a violência gerada pelo desmatamento. Nos últimos 20 anos foram assassinados na Amazônia 1.349 agricultores e ativistas ambientais que se opuseram.
Estrada do inferno
Paradoxalmente, a nova rodovia para o inferno amazônico é legal. Chama-se BR-163 e vai desde quase a Bolívia até Santarém, no Amazonas. Por ela circula a maior parte da soja exportada pelo Brasil. Os interesses são tão grandes que o governo de Mato Grosso se ofereceu para asfaltar o trecho final, no Estado do Pará.
“Isso significaria o fim de milhões de hectares de mata virgem”, diz André Muggiati, do Greenpeace.
Dezenas de milhares de pessoas que chegaram seduzidas pelo novo ouro verde ocupam ilegalmente terras públicas de ambos os lados da BR-163. E a máfia dos cartórios vende na região terras griladas para multinacionais como a Wood Resources Ltd.
As associações ambientais acusam Blairo Borges Maggi, governador de Mato Grosso, pela hecatombe amazônica. O Greenpeace acaba de entregar uma motosserra de ouro em sinal de protesto a Maggi, que é conhecido como o rei da soja.
O grupo Maggi controla 50 mil hectares de soja (5,2% do Brasil, segundo país exportador do mundo); 12 mil de milho; 2.500 de algodão. Enquanto a Amazônia é sangrada, Blairo Borges fatura US$ 600 milhões anuais. E continua sonhando com uma rodovia da soja que corte a selva, da Bolívia ao Amazonas.
A crise verde de Lula
Que os sete deputados do Partido Verde de Gilberto Gil abandonassem o governo Lula depois dos dados de desmatamento de 2004 não foi um choque.
Os movimentos ecológicos viram com desencanto como a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, perdeu todas as votações importantes, entre elas a legalização dos transgênicos. O governo tem apenas 275 fiscais para vigiar os 5 milhões de quilômetros quadrados da Amazônia.
Altamira, o maior município do mundo, não tem sequer um posto fixo da Polícia Federal. Os 2 mil militares que Lula enviou à Amazônia depois do assassinato de Dorothy Stang desapareceram, denunciando a falta de recursos. E o Plano de Prevenção e Controle do Desflorestamento da Amazônia cumpriu apenas 2% de sua meta em 2004.
FONTE:
Uol Media Global
La Vanguardia
Bernardo Gutiérrez
http://www.lavanguardia.es/
13/8/2005
Tradução:
Luiz Roberto Mendes Gonçalves